JCNet
31/10/2021
Por Marcos César Alves Silva
O Brasil tem muitas experiências exitosas que podem servir de referências para outros países e orgulhar os brasileiros. O serviço postal prestado no país é uma dessas experiências. Com dimensões continentais e imensas assimetrias entre as diversas regiões, o Brasil é um grande desafio para a implementação de políticas públicas. Para estender um serviço público a toda a população são necessários esforços expressivos para vencer, entre outras coisas, as dificuldades logísticas que se impõem. Da grande São Paulo às pequenas cidades do interior do Acre aonde só se chega por ar ou água, temos realidades bem distintas e distâncias continentais a serem vencidas.
Depois de 358 anos de história, nosso correio conta com uma infraestrutura que consegue superar esses desafios logísticos e é capaz de levar não só cartas e encomendas a todos os municípios brasileiros, mas também livros didáticos, provas do Enem, urnas eletrônicas e medicamentos, entre muitas outras coisas, desempenhando papel de verdadeiro fator de integração nacional.
Noutro ângulo, os brasileiros também podem contar com a infraestrutura postal para o desenvolvimento de negócios, pois é possível abrir um e-commerce em qualquer lugar do Brasil e enviar as encomendas pelos Correios para todo o país e para o resto do mundo. Cooperativas de artesãos e pequenos fabricantes de produtos que vão de roupas a queijos já descobriram isso e têm conseguido alcançar sucesso dessa forma. Durante a pandemia, a infraestrutura postal se mostrou valiosa para assegurar que as empresas conseguissem entregar seus produtos aos clientes e muitas daquelas que tiveram que operar de portas fechadas e que nunca tinham usado o comércio eletrônico encontraram nos Correios o apoio para chegar a seus clientes e, assim, evitar a paralisação de sua produção.
Ao tentar privatizar a toque de caixa essa exitosa e importante infraestrutura nacional, o governo coloca em risco algo que tem sido muito importante para os cidadãos e empresas, pois, numa ótica simples de exploração econômica, muitas das operações dos Correios deixam de fazer sentido ou então serão oneradas, demandando o repasse de custos aos clientes. Temos, por exemplo, que em apenas 324 dos 5.570 municípios brasileiros a operação local dos Correios é superavitária, ou seja, a empresa arrecada mais de receitas do que tem de despesas para estar ali presente. Na ótica privada, isso não faz sentido e a tendência natural é de se buscar fechar as unidades mais deficitárias, para reduzir prejuízos.
O exemplo de Portugal mostra bem o que pode acontecer no Brasil, com agravantes. Portugal está entre os 8 países do mundo que privatizaram seu correio. Após a privatização, os portugueses foram submetidos a um substancial aumento de tarifas e sofrem com o fechamento de agências, a ponto de estarem demandando do Estado a reestatização de seu correio. Portugal é do tamanho de Santa Catarina e conta com desafios logísticos infinitamente menores que os brasileiros para fazer as cartas e encomendas chegarem aos destinos.
Outra situação peculiar que temos no Brasil e que existe por conta da evidente natureza pública do serviço postal: mais de 4.000 das 11.000 agências dos Correios são mantidas a partir de parcerias com Prefeituras Municipais. Nessas parcerias, as Prefeituras Municipais cedem espaço e às vezes até pessoal para operar a unidade, de forma a assegurar o atendimento aos cidadãos da localidade. Como reduzir isso a uma célula de planilha num cálculo de valuation da companhia?
Quem reside em grandes centros talvez pense que as empresas privadas são capazes de suprir todas as necessidades de comunicação escrita e de transporte de encomendas e que, por isso, os Correios seriam dispensáveis. A realidade nacional, porém, mostra um quadro diferente, onde muitas localidades só são atendidas regularmente pelos Correios. Em muitos municípios pequenos, algumas transportadoras até vão, mas só quando têm carga acumulada para justificar a viagem. E isso é natural, afinal uma empresa privada não tem compromisso de operar com prejuízo e deve buscar sempre ter lucro.
Outra questão que merece destaque quando tratamos de nosso serviço postal é a do valor das tarifas postais. Apesar de o Brasil ser o 5º maior país do mundo em território, temos por aqui uma das menores tarifas postais, garantindo assim modicidade tarifária. E, por fim,temos ainda o fato de que os Correios fazem tudo isso sem onerar o Tesouro Nacional, já que a estatal produz receitas superiores a suas despesas, não sendo, portanto, dependente da União.
Por que mexer nisso? Não conseguimos enxergar fundamentos de caráter técnico ou econômico que possam justificar a intenção do governo de privatizar os Correios. Parece apenas uma ação meramente ideológica, que, se prosperar, só trará riscos e prejuízos aos brasileiros, além de ser inconstitucional, como a ADCAP demonstra na ADI-6635 em apreciação no STF. Por isso, esperamos que o Senado Federal avalie com profundidade o PL-591/2021e o rejeite.
Direção Nacional da ADCAP.