Editorial do Jornal Valor Econômico sobre os Correios e resposta da ADCAP

O Editorial do Jornal Valor Econômico, de hoje, 17/10/2025, publicou uma matéria sobre os Correios, com o seguinte título:

Não há caminho de volta para o atraso dos Correios

A empresa perdeu o momento de virada do mercado, quando despontaram grandes empresas com logísticas de vendas e negócios, como Amazon e Mercado Livre

Valor Econômico
17/10/2025

Os Correios (EBCT) são um saco sem fundos, cada vez com menos cartas. Depois de ser a primeira empresa excluída da lista de privatizações herdada do governo Jair Bolsonaro pelo presidente Lula, ela acumula prejuízos bilionários e crescentes. Aparelhada por indicados do Planalto, a empresa conseguiu quase triplicar os resultados negativos entre 2024 e 2025 (R$ 4,35 bilhões no primeiro semestre deste ano ante R$ 1,35 bilhão no mesmo período de 2024) e faz parte agora de uma “reestruturação” oficial. A ideia é que o Tesouro (os contribuintes) seja avalista de empréstimo de R$ 20 bilhões para tentar reerguer uma companhia que parece condenada, como outras estatais que não acompanharam o ritmo da modernidade e sumiram, não por falta de talentos, mas pelo parasitismo das indicações políticas, carentes de talento ou de vocação para os negócios.

O que se planeja no Planalto é conseguir R$ 20 bilhões para sustentar “investimentos” da empresa em 2025 e 2026, para que ela volte ao lucro em 2027. Ainda que seja possível, o passado mostra que não é provável. Nos últimos 12 anos, a EBCT teve prejuízo em sete, incluindo 2025, cujo rombo está dado. O governo Lula culpa o antecessor, Bolsonaro, como em tudo, mas os rombos já aconteciam no governo de Dilma Rousseff, quando, entre 2011 e 2016, acumularam-se prejuízos de R$ 4,7 bilhões. No primeiro semestre de 2025, a empresa obteve empréstimo de R$ 1,8 bilhão de bancos privados (BTG, ABC Brasil e Citi), aos quais deverá recorrer de novo para, ao lado da Caixa e do Banco do Brasil, mais que decuplicar a dose.

Vinte bilhões de reais é muito dinheiro. É a quantia, por exemplo, que a Embraer, uma das mais competitivas empresas brasileiras globais, pretende investir até 2030 para enfrentar um ambiente cada vez mais adverso. Em setembro, o BNDES anunciou um fundo da mesma ordem para ampliar a infraestrutura de apoio à educação e à saúde no país. Foi também o total do fundo para apoio à ciência e à tecnologia no primeiro ano do governo Lula, ou o destinado a apoiar a concessão de rodovias no país, ou o planejado para o Fundo Amazônia. É também um terço dos recursos do PAC em 2025.

Vale a pena? Tudo indica que não. O programa apresentado pela direção da empresa no primeiro semestre, antes da troca do presidente por um quadro técnico egresso do Banco do Brasil, não difere muito do apresentado agora nem do manual de reestruturações de empresas à beira da falência: enxugar quadros, inclusive diretoria (cargos comissionados), renegociar contratos, reduzir a rede de entrega, vender ativos, cortar benefícios, reestruturar passivos, mudar o foco etc. No contexto de negócios em que os Correios se movem, apesar de sua tradição e sua enorme capilaridade, parece uma batalha perdida.

Imobilizada pelo atraso gerencial de indicações políticas extrativistas, sina do Estado brasileiro, a empresa perdeu o momento de virada do mercado, quando despontaram grandes empresas com logísticas de vendas e negócios altamente produtivos, como Amazon e Mercado Livre, ou logo depois que gigantes da entrega globais, como DHL, haviam determinado regras de um jogo que seria dominado por agilidade, investimentos e competitividade.

Dirigentes da empresa atribuem ao fim do monopólio das remessas internacionais ou ao início da taxação das “blusinhas” (cobrança de impostos de bens abaixo de US$ 50, antes isentos) o início da derrocada dos resultados da companhia. Não é verdade, porque prejuízos já vinham de antes. Arrogar um monopólio para sustentar negócios deixou de ser adequado ou até mesmo polido hoje em dia, e muito menos a permanência de privilégios tributários indefensáveis. Sindicatos da empresa argumentam, corretamente, que uma gestão estritamente profissional é capaz de fazer muito mais e melhor, sem privatizações. O resultado que se conhece com a gestão estatal, porém, é um só, constante, que tende a ser destruidor de competências, motivações e patrimônios. Gestões políticas não só foram insensíveis a inovações como tolheram investimentos ou os destinaram a prioridades erradas, como o inchaço do quadro de pessoal. A gestão estatal (é certo que não precisaria ser assim) ajudou a afundar os Correios, auxiliada pela visão primitiva dos negócios com que foi conduzida.

O Planalto quer fazer uma gambiarra para salvar a empresa, quando, se confia nela, poderia injetar dinheiro diretamente, mas há escassez de recursos — menos para programas eleitorais. Há função social inegável nos Correios, que a empresa já cumpriu com brilhante pioneirismo: nenhum dos rincões do Brasil, quando as regiões do país eram ilhas incomunicáveis pelas distâncias e dificuldades de transportes, deixou de receber correspondências quando elas eram o único meio de comunicação entre a imensa maioria dos cidadãos. Esse tempo passou.

Os Correios podem ser substituídos. Quando outros setores relevantes foram privatizados, como o de telecomunicações e energia, criaram-se taxas para que as empresas privadas, ou outras, fossem remuneradas para suprir o vácuo social deixado pelos serviços estatais (o Fust é um exemplo). Esse deveria ser um caminho.

 

✅ A ADCAP, em resposta ao Editorial, enviou a seguinte carta ao Jornal:

 

CT/ADCAP – 087/2025
Brasília, 17 de outubro de 2025.

Ao Editor,

Do Caderno Editorial – A opinião do Valor Econômico

Prezado Editor,

Em atenção a publicação do Valor Econômico de hoje 17/10/25, gostaríamos de contribuir com o debate público oferecendo as seguintes reflexões

CORREIOS DO BRASIL – AS OPORTUNIDADES E VANTAGENS COMPETITIVAS

O editorial: “Não há caminho de volta para o atraso dos Correios” aborda com propriedade o atraso no processo de modernização dos Correios do Brasil e acerta quando indica a raiz dos problemas: a falta de gestão profissional. Acerta também o editorial, quando reconhece o papel estratégico dos Correios, como infraestrutura relevante para o desenvolvimento social e econômico do País.

A divergência com relação a nosso ponto de vista se dá quando se aborda a possibilidade de recuperação, modernização e futuro dos Correios do Brasil.

Iniciamos pela questão econômico-financeira e inclusive sobre a cifra de alavancagem de R$ 20 bilhões. Efetivamente, um volume de recursos relevante. Todavia, diferentemente do que defende o editorial ao mencionar a constituição de um “saco sem fundo”, entendemos que o patrimônio tangível e intangível dos Correios supera em muito esse montante de recursos. Somente em ativos imobiliários detidos pela Empresa, segundo informações gerenciais, o valor supera R$ 45 bilhões. Assim, consideramos prematura a conclusão de que os valores levantados em consórcio privado de bancos voltados a equacionar o fluxo de caixa da empresa se constitui em “saco sem fundo”. É prudente que se avalie o conjunto de ativos garantidores que a própria Empresa tem a oferecer e que alcança também, além dos imóveis, uma grande frota de veículos, sistemas e bens. Além disso, há ainda ativos intangíveis, que incluem marcas valiosas, como a da própria Empresa e SEDEX. Quanto valeriam essas marcas, por tudo que representam na história – desde a certidão de batismo do Brasil: a carta de Pero Vaz de caminha – no imaginário – confiança da população e na diversidade de presença no território brasileiro? Quanto os citados concorrentes teriam que investir para se aproximar desse posicionamento mercadológico consolidado?

Compreendemos que, diante da magnitude dos recursos ora necessários para equilibrar a Empresa, seja colocada em discussão a viabilidade ou inviabilidade da operação anunciada pelo presidente dos Correios. Mas, consideramos que tal discussão deva se dar com mais profundidade, tendo em conta especialmente os ativos detidos pela Empresa e as reais perspectivas de alavancagem de negócios, que uma direção técnica pode efetivamente implementar, inclusive porque o principal negócio dos Correios na atualidade – a logística do comércio eletrônico – está em franca expansão no Brasil e no mundo.

Convergimos no entendimento de que, seja um real ou 20 bilhões, no mundo empresarial o dono do recurso, seja o particular ou a sociedade, espera o devido retorno.  Essa é a responsabilidade do gestor, público ou privado, e deve ser acompanhada e fiscalizada.

Ficamos à disposição para contribuir com elementos, que possam auxiliar em reflexões sobre a situação dos Correios e suas perspectivas.

 

Atenciosamente,
Roberval Borges Correa
Presidente

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