Adcap Net 09/10/2020 – Sucesso no correio alemão poderia ser modelo para o Brasil, mas não é – Veja mais!

Sucesso no correio alemão poderia ser modelo para o Brasil, mas não é

Monitor Mercantil
Por Marcos César Alves Silva
08/10/2020

A liberalização do setor postal europeu deu-se de forma controlada. As Diretivas da União Europeia estabeleciam, desde 1997, a liberalização do serviço postal prevendo inclusive cronograma para a abertura gradual e crescente para a atividade. O monopólio foi substituído por um conjunto de serviços reservados aos operadores públicos encarregados da prestação dos serviços universais que, em função das assimetrias observadas, perduraram durante alguns anos (prazos distintos para os operadores, em função de suas condições). O correio da Alemanha se beneficiou dessa situação durante alguns anos, ou seja, disparou sua transformação em um ambiente de “monopólio”, na realidade.

E, quando o governo alemão decidiu abrir o capital do seu correio, o Deutsche Post, não o fez para se desfazer de um bem do Estado e nem para fazer caixa e custear gastos governamentais correntes. Na realidade, o governo alemão enxergou aí uma grande oportunidade de transformar seu correio numa das maiores empresas de logística internacional.

A transformação do correio alemão não aconteceu, portanto, de um dia para o outro, mas sim ao longo de anos, mediante planejamento do governo e implantado em etapas. Para reunir os recursos necessários à sua expansão, a Alemanha lançou mão, principalmente, de um significativo aumento de tarifas e da alienação de muitos de seus imóveis. A abertura de capital veio nessa trilha de reunir mais recursos para financiar a expansão do conglomerado empresarial que se tornou o Deutsche Post. As aquisições de empresas incluíram gigantes de seus ramos/segmentos, como foi o caso da Danzas e da DHL, consolidando o grupo.

Hoje o Deutsche Post DHL é uma das maiores empresas de logística do mundo, líder em muitos mercados e player sempre importante nos demais, mas é ainda controlado pelo Estado alemão, que detém parcela expressiva do capital, superior a 20% do total, sendo o restante extremamente pulverizado entre inúmeros investidores privados e institucionais. O correio alemão chegou a produzir receitas da ordem de 2% do PIB daquele país, detentor do quarto PIB mundial. Em outras palavras, um correio bem administrado, com os melhores profissionais nas posições sensíveis de gestão, pode gerar riquezas imensas para seu país; o desempenho do correio alemão é uma das provas disso.

No Brasil da atualidade, não parece haver ambiente para nada assemelhado, apesar de o país estar a dever no que se refere a assumir a liderança regional que lhe seria natural pelo menos no contexto da América do Sul. O governo não consegue enxergar valor nas infraestruturas públicas que possui e só pensa em vendê-las ou desmontá-las, para resolver seus problemas de caixa ou para comprovar suas teses ideológicas. Não há, portanto, ambiente para nada parecido com o que foi feito na Alemanha.

Além disso, como pode ser visto no quadro abaixo, há também uma grande disparidade entre os dois países, espelhando realidades geográficas e socioeconômicas que requerem abordagem e soluções diferenciadas para assegurar a amplitude e a continuidade de prestação do serviço postal de qualidade à população. Este caminho passa, sem sombra de dúvidas, pelo reconhecimento e fortalecimento das ações da Empresa Pública que firmou sua competência nos âmbitos nacional e internacional a partir de 1969, sendo reconhecida e respeitada como uma das melhores e mais conceituada empresa de Correios.

Neste momento, portanto, o melhor que o Congresso Nacional pode fazer com relação aos Correios é impedir a simples venda ou desmonte da organização, até que se tenha um ambiente institucional capaz de potencializar os Correios, como empresa integralmente pública, como faz a França, ou como uma empresa de economia mista, como faz a Alemanha. A propriedade do capital é uma questão antecedida por outra muito mais relevante que é a visão de longo prazo que o país quer construir, num futuro em que a logística será cada vez mais importante para as pessoas, empresas e países. A construção dessa visão não é missão para banqueiros ou gestores de fundos de investimento, mas sim para estadistas.

Marcos César Alves Silva
Administrador postal, é vice-presidente da Adcap. Foi conselheiro no Conselho de Administração dos Correios entre 2013 e 2018.

 

Direção Nacional da ADCAP.

Outras Notícias