TRABALHADORES DOS CORREIOS AFIRMAM
QUE ARGUMENTOS USADOS PELO GOVERNO A FAVOR DA PRIVATIZAÇÃO DA ESTATAL NÃO TÊM EMBASAMENTO
Ideia é promover um debate com a sociedade para discutir o tema
Por Marcio Allemand
BRASÍLIA – Num momento em que a privatização parece voltar ser uma das maiores bandeiras defendidas por esse novo governo e os Correios voltaram ao noticiário através de declarações sobre a intenção de privatizar a estatal, um debate mais aprofundado sobre o tema se faz extremamente necessário para que sejam esclarecidos os argumentos utilizados para justificar tal feito. Em meio a tantas versões sobre as razões para a privatização dos Correios, é de essencial importância que se esclareçam as verdades sobre alguns argumentos sem embasamento concreto que vêm sido utilizados por quem se coloca a favor da privatização da estatal.
A ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, mais conhecida como Correios, foi criada em 1969, oriunda do antigo Departamento de Correios e Telégrafos, este ainda da época do Império. Desde então, foram décadas de uma história que enche o brasileiro de orgulho. Tarifas foram congeladas sem necessidade, dividendos foram retirados em excesso, gerando, assim, um enorme desequilíbrio econômico que afetou a estatal.
Deste modo, decisões de gestões anteriores no Governo Federal, aliadas à onda do neoliberalismo que acomete o atual governo, o que se apresenta agora como solução é a privatização dos Correios. Mas cabe lembrar que os Correios possuem características e qualidades que justificam plenamente sua manutenção como organização pública, diferentemente de muitas outras. Quais são elas?
Os Correios são a única instituição pública federal presente fisicamente em todos os municípios brasileiros, levando não só as correspondências ou cartas, mas também as encomendas e os serviços financeiros básicos. Aqui é muito importante ressaltar que apenas as correspondências são objeto do monopólio postal. A prestação de serviços de encomendas no Brasil é livre, havendo milhares de transportadoras e empresas as mais diversas que prestam este tipo de serviço. Os Correios, porém, são a única empresa que leva os serviços de encomendas a todo o território nacional, atendendo, inclusive, aos concorrentes, que muitas vezes redespacham suas encomendas pelos Correios quando o destino é mais remoto.
No mundo inteiro, há menos de uma dezena de outros correios que foram totalmente privatizados e nenhum deles num país com as dimensões ou as diferenças regionais presentes no Brasil. Além disso, privatizações feitas à toque de caixa, cujo único objetivo é cumprir pautas de governo, como aconteceu na Argentina, acabaram se mostrando desastrosas e motivando posterior reestatização do serviço postal.
Os Correios nunca deram prejuízo à União
Para Maria Inês Capelli Fulginiti, Presidente da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios, o governo prega que as privatizações seriam mais uma das soluções para a economia do país. Ela afirma, no entanto, que se trata de um discurso vazio, sem base técnica que garanta sua efetividade, principalmente, quando se fala da privatização dos Correios. “Autoridades do governo se utilizam de falácias para sustentar uma narrativa de uma empresa falida, ineficiente, corrupta, deficitária, quando a realidade é justamente outra, bem diferente do que está sendo propalado, demonstrando, no mínimo, total desconhecimento da empresa, de seu negócio, de sua capacidade, de seu faturamento. Os Correios não são uma estatal dependente do Tesouro Nacional. Os Correios dão lucro. Os Correios são o maior operador logístico do Estado brasileiro e está presente em todos os municípios do país, contribuindo, sobretudo, para a cidadania nacional”.
A busca incessante em se desfazer de empresas estatais marginaliza a busca por dados de efetividade concretos e exclui do debate público novos modelos de gestão para a empresa prosperar. Esta prática busca alienar a população a respeito do trabalho atualmente desenvolvido pela empresa, além de desprezar toda a história de referência e modelo dos Correios, afinal de contas, a verdade dos fatos não alimenta a narrativa que vem sendo empregada.
Para Maria Inês, há muito ainda a ser feito para melhorar a vida dos brasileiros. Por que não, ao invés de privatizar, transformar os Correios numa valiosa ferramenta para que o próprio Governo possa levar seus serviços para cada vez mais próximos dos cidadãos, facilitando suas vidas? A começar pelos serviços bancários, tendo em vista que a segurança pública tem proposta de reestruturação e de integração nacional como prioridade do atual governo (vide o Projeto de Lei Anticrime, já apresentado à Câmara Federal), além das perspectivas de retração na onda de assaltos que tornou inviável a prestação dos serviços bancários nos pequenos municípios. Desta forma, seria possível, num futuro breve, ampliar a rede que atende esses serviços, favorecendo as economias dos pequenos municípios e a vida dos cidadãos e comerciantes locais.
Natan Benevides, presidente do núcleo da ADCAP DF, acrescenta que os interessados em privatizar os Correios espalham a mentira de que a empresa teve prejuízo econômico nos últimos anos. A verdade é que em 2018 a empresa registrou lucro de R$ 161 milhões e de R$ 667,3 milhões em 2017, apesar da crise enfrentada pelo Brasil.
“Se a empresa acumulou prejuízos entre 2013 e 2016, é preciso lembrar que nesse mesmo período, cerca de 6 bilhões de reais foram retirados dos cofres dos Correios pela União”, afirma Natan. Ele enfatiza ainda que argumentos favoráveis à medida desconsideram que os Correios sejam uma empresa independente financeiramente. “São um dos poucos serviços prestados pelo Estado que chegam a quase todos os 5.570 municípios brasileiros, conforme princípio constitucional da universalidade”.
A verdade é que há mais de 350 anos, a empresa é a única responsável pelo Serviço Postal e também responsável pela integração nacional. O que poucos também sabem é que o monopólio do serviço postal é essencial para que os Correios consigam atender todas as regiões, garantindo a universalização do serviço postal.
Caso a empresa venha mesmo a ser privatizada, a tendência é que o custo do serviço postal aumente. Emerson Marinho, da FENTEC (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares) explica que o preço que os Correios praticam acaba regulamentando o mercado. Funcionário dos Correios há 27 anos, Emerson lembra que já passou por diversos governos e que nunca houve grandes mudanças. “O que sofremos hoje é por conta do contingenciamento, o que prejudicou demais a imagem da empresa, já que perdemos pessoal qualificado e investimentos deixaram de ser feitos”.
Sobre o déficit do POSTALIS, uma das razões alegadas para tentar justificar a intenção de privatização, José Aparecido Gandara, Presidente da FINDECT (Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios), pondera que “nós devolvemos o dinheiro da Petrobras para os EUA. Agora é hora de o Brasil cobrar os 9 bilhões de reais do Postalis que o BNY Mellon dos EUA nos devem.” Gandara se refere ao valor levantado pelo Ministério Público Federal, como prejuízo imputado ao POSTALIS por aplicações cuja administração fiduciária estava a cargo do banco BNY Mellon.
Mais uma vez, cabe lembrar que, para várias pessoas, os Correios são a única alternativa para envio de documentos, encomendas e recebimento de contas. Devido ao seu alcance, os Correios ajudam na prestação de serviços financeiros e na inclusão bancária de milhões de brasileiros que vivem em localidades carentes e que não precisam mais se deslocar a cidades vizinhas para fazer operações bancárias.
O fantasma de um apagão postal
Para Jesuíno de Carvalho Caffe Filho, presidente da FAACO (Federação dos Aposentados, A posentáveis e Pensionistas dos Correios e Telégrafos), a privatização pode se transformar num problema sem tamanho. “Os Correios são uma empresa que atende a todos os municípios do país, sendo que apenas 300 agências dão lucro. Quem acredita que as demais agências permanecerão, caso a empresa venha a ser privatizada? Existem municípios que nem agências bancárias têm e são os Correios que fazem as vezes de banco”, argumenta.
O fato é que o interesse de grupos privados é apenas por agências que abrangem capitais ou grandes municípios, que apresentam serviços superavitários, deixando de lado as agências localizadas em cidades onde a atividade não é lucrativa. Mais uma vez cabe lembrar que essas localidades são atendidas exclusivamente pelos Correios e, o mais importante, sem aporte de recursos da União.
No caso de privatização, Jaílson Pereira, presidente da AACB (Associação dos Analistas de Correios do Brasil), acredita que de imediato o país viveria um apagão postal. “O brasileiro no geral não tem conhecimento de que os Correios são a única empresa que está nos mais de 5500 municípios do país. Será que se privatizarem os Correios vão manter o trabalho nas agências de pequeno porte, nas cidades remotas, que não dão lucro?”, questiona Jaílson. Para ele, é preciso fazer uma comparação entre os números dos Correios e os números das outras empresas, já que privatizar também vai significar aumento de custo para o cidadão. “Não se pode deixar de lado a questão das demissões. Quando uma empresa é privatizada, o número de demissões é muito grande. E isso vai contra a política de qualquer governo. O governo precisa refletir e colocar o Brasil, a soberania nacional, em primeiro lugar. Jaílson lembra ainda que o pior argumento que vem sendo divulgado quando se fala em privatizar os Correios é a questão de a empresa ter sofrido depredação econômica e ingerência política. “O déficit foi porque quiseram mudar para seguir os padrões internacionais, o que desequilibrou o balanço da empresa. As denúncias de corrupção no Brasil sempre existiram. Não é nem nunca foi exclusividade da empresa A ou B”.
Já para Edilson Pereira Nery, da ANATEC (Associação dos Trabalhadores da ECT), o mercado quer o que é lucrativo e os Correios têm um subsídio cruzado, que é quando as agências que dão lucro cobrem as despesas das agências deficitárias. “Quem vai bancar os Correios nos municípios pequenos? O Estado? Hoje o Estado não banca nada”. Edilson lembra que os Correios ficaram dois anos sem reajuste tarifário e que mesmo assim a estatal jamais deu prejuízo para a União. “Há praticamente quatro décadas que o Estado não coloca dinheiro na empresa”, encerra.
A experiência de reestatização do correio da Argentina e os atuais problemas vividos pelos portugueses após a privatização do CTT, o correio português, trazem alertas importantes sobre como as coisas podem dar errado para a população nesses processos. No caso brasileiro, as dimensões continentais do país e as grandes diferenças regionais acrescentam riscos ainda maiores para o sucesso de uma eventual tentativa de privatização dos Correios, tornando uma empreitada dessas uma temeridade para os cidadãos, para as empresas e para o próprio governo.
Com tantas necessidades dos cidadãos a serem atendidas, parece melhor que o governo federal não mexa no que funciona, já que pode, inclusive, utilizar essa infraestrutura já montada para melhorar o atendimento aos cidadãos, como tem demonstrado o projeto “Balcão do Cidadão”, uma parceria entre os Correios e os governos, para facilitar o acesso do cidadão aos serviços públicos, por meio da utilização da rede de agências postais.
A posição de terceira instituição pública mais confiável, conquistada e mantida há anos pelos Correios, conforme pesquisas feitas periodicamente junto à população, indica que, ao utilizar mais as agências postais para chegar aos cidadãos, o governo poderá até mesmo melhorar a própria imagem, além de efetivamente atender melhor e com maior conveniência os cidadãos.
Os Correios, com sua infraestrutura pronta e plenamente operacional, constituem uma plataforma de logística, de comunicações e de atendimento importante para a vida dos cidadãos, das empresas e dos governos.
Cuidar bem dessa infraestrutura, potencializando sua utilização em benefício dos brasileiros, é uma missão relevante para o Governo Federal, que deve enxergar os Correios como uma peça fundamental para o desenvolvimento de um país como o Brasil, à sua disposição, em todo o território nacional.