Uol
08/09/2014
Durante um dia de semana, bandidos armados colocaram um capuz sobre a cabeça de A., amarraram-no e o trancaram na parte de cargas da Fiorino que dirigia. Um deles assumiu o volante e parou o veículo numa favela na zona norte do Rio de Janeiro. Após roubarem toda a mercadoria, os bandidos fugiram ameaçando atear fogo no carro. A. foi libertado pela polícia, acionada após moradores da região ouvirem seus gritos de socorro.
O relato poderia ser mais um dentre tantos de pessoas assaltadas e sequestradas por criminosos na capital carioca não fosse o fato de ter sido apenas um dos 20 casos ocorridos durante o exercício de trabalho de um único carteiro.
A. tem 51 anos e há 25 trabalha como motorista de Sedex na mesma rota. Dos 20 roubos que sofreu enquanto estava a serviço, quatro foram no último ano. O mais recente foi há dois meses.
Carteiros de diversos bairros da capital, especialmente das zonas oeste (Bangu, Senador Câmara e Realengo) e norte (Pilares, Rocha Miranda, Madureira, Irajá, Penha, Olaria, Ramos e Osvaldo Cruz) do Rio e da Baixada Fluminense têm histórias do tipo pra contar.
Os alvos são os profissionais “motorizados” e que levam, em caminhões, veículos comerciais leves e motos, encomendas feitas pela internet (como televisores, tablets, celulares e eletrodomésticos), após triagem nos CEEs (Centros de Entrega de Encomendas) e CDDs (Centros de Distribuição Domiciliar) dos Correios. Os assaltos acontecem a caminho dos endereços dos destinatários.
O Sintect-RJ (Sindicato dos Trabalhadores na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos do Rio de Janeiro) não tem um banco de dados informatizado e, por isso, alegou não possuir o número de ocorrências.
Mas a diretora executiva da Secretaria de Patrimônio do Sintect-RJ, Rosemeri de Farias Eleodoro, afirmou que o clima é tenso entre os trabalhadores. “Os carteiros de determinadas áreas saem pra trabalhar sem saber se vão voltar”, disse.
Rosemeri conta que sempre ocorreram assaltos a carteiros, mas de forma “precária”, visando talões de cheque e cartões de crédito. “Há cerca de um ano e meio a situação piorou, porque aumentou muito o número de entregas de encomendas devido às compras pela internet”, explicou. De acordo com os Correios, a empresa entrega cerca de 45% dos produtos vendidos no comércio eletrônico.
Devido à insegurança, funcionários já paralisaram este ano o trabalho de CEEs e CDDs em bairros como Pilares, Irajá e Bangu, e fizeram passeatas com carta aberta à população explicando a razão do movimento na Penha, Olaria e Ramos. “Queremos que as pessoas entendam o que estamos passando. Alguns chegam revoltados para pegar suas mercadorias, já que pagaram para receber em casa”, conta Rosemeri.
É o caso do músico Élcio Monteiro de Souza, 32, morador do bairro de Bangu, que fez uma compra pela internet e solicitou a entrega por Sedex. Mas, devido a uma “restrição” na área de entrega, teve que buscar a mercadoria em Campo Grande, no dia 29 de agosto.
“Só descobri porque estava demorando a receber e procurei o rastreamento no site dos Correios. Chegando lá, a funcionária informou que estavam acontecendo muitos assaltos na rota e pararam de fazer entrega. Isso deveria ser informado ao cliente no momento da compra”, afirmou. “Pagamos pelo Sedex, eles continuam lucrando com um serviço mais caro e o destinatário não só não recebe no prazo como precisa se deslocar para pegar a encomenda.”
Segurança e responsabilidades
A categoria reclama de descaso por parte dos envolvidos no caso: os Correios, por fornecerem escoltas insuficientes para os carros de entrega; a Polícia Federal, responsável pela investigação das ocorrências, já que os Correios são uma empresa pública federal; e a Polícia Militar, que cuida do policiamento ostensivo.
O Sintect-RJ acusa a PF de não repassar para a PM os dados das ocorrências, para que possa ser feito reforço nas áreas mais afetadas. O diálogo com os militares fica a cargo do sindicato.
Por meio de nota, a Polícia Federal limitou-se a dizer que “vem atuando na identificação de pessoas e quadrilhas envolvidas nos fatos relacionados ao roubo de remessas postais”, não revelando qualquer dado referente ao número e áreas de ocorrência.
Recente matéria do jornal “O Globo”, no entanto, aponta um aumento de 122% no número de assaltos a carteiros no Rio nos primeiros sete meses deste ano (1.149 casos) em relação ao mesmo período de 2013 (517).
Também em nota, a PM confirma que os comandantes de batalhões reforçam o policiamento nos locais de acordo com informações repassadas pelo Sintect-RJ e também seguindo números da mancha criminal, reforçando que “as investigações desses crimes são de alçada federal”.
Os Correios informaram que, “por se tratar de assunto relacionado à segurança, não divulgam estatísticas ou detalhes das ações preventivas”. Com relação à saúde dos funcionários, a empresa afirma prestar assistência médica e acompanhamento psicológico aos profissionais vítimas de violência.
A recorrência dos assaltos afeta não só os carteiros como também os clientes, já que os funcionários precisam se afastar do trabalho sucessivas vezes. “É um trauma psicológico muito grande”, disse o carteiro A., sem conseguir conter o choro. “Já perdi as contas de quantas vezes me afastei do trabalho [por licença]. Não sou mais o mesmo no serviço, não tenho o mesmo ritmo, fico assustado com qualquer pessoa ou carro que se aproxime de mim, mesmo que seja apenas para pedir uma informação. Gosto tanto do que faço, mas não tenho mais ânimo.”