Muda o governo e não muda a prática; às vezes até piora!
Militares dominam cúpula dos Correios
Pelo menos 14 oficiais da reserva ocupam cargos de alto escalão na ECT, no Postalis e na Postal Saúde
Valor
26/08/2020
O governo Jair Bolsonaro nomeou pelo menos 14 militares para cargos de alto escalão na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), no Postalis (fundo de pensão dos empregados) e na Postal Saúde (operadora própria dos planos médicos).
A lista de ex-fardados é composta por nove oficiais do Exército, três da Marinha e dois da Aeronáutica. Todos já foram para a reserva. Sindicatos e associações de trabalhadores afirmam que a militarização dos Correios diminuiu o espaço para diálogo. Reclamam ainda que, pouco antes da guerra iniciada para retirar benefícios “extra-CLT” dos empregados, a estatal e suas coligadas deram sinal verde à criação de assessorias especiais.
Além do general Floriano Peixoto, ex-ministro da Secretaria-Geral e hoje “01” dos Correios, também vêm das Forças Armadas os presidentes do Postalis e da Postal Saúde. No fundo, que ficou dois anos e meio sob intervenção por causa dos seguidos déficits atuariais, está o general quatro estrelas Paulo Humberto de Oliveira. Ele já foi chefe do Estado-Maior do Exército. Outro general, José Orlando Cardoso, comanda a caixa de assistência médica. Os conselhos da ECT, do Postalis e da Postal Saúde têm coronéis, brigadeiros e capitães de mar e guerra entre seus titulares.
“Com esse novo perfil de gestão, chegou a prática militar de não falar com subalternos”, diz a presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), Maria Inês Capelli. Segundo ela, todos os pedidos de audiência com o general Floriano até hoje foram negados. “Nossa batalha era para acabar com o aparelhamento e reerguer a empresa, mas ficamos frustrados e o clima é de insatisfação. Falta interlocução. Ele tem se negado a falar com qualquer entidade representativa”, afirma Maria Inês.
O secretário de Comunicação da Fentect (federação que reúne 31 sindicatos regionais), Emerson Marinho, queixa-se do “autoritarismo”no relacionamento entre a atual diretoria e os empregados. O ponto que ele mais critica, no entanto, é a criação das assessorias especiais enquanto se anuncia o objetivo de economizar R$ 600 milhões por ano com corte de benefícios. “O discurso vai em uma direção, a prática vai em outra”, avalia.
No dia 13 de março deste ano, o conselho deliberativo da Postal Saúde aprovou “proposta de ampliação do quantitativo de funções de Assessores da Diretoria Executiva para no máximo sete”, com validade até outubro de 2023. A medida teve aval de dois (ambos militares) dos três conselheiros. Outro conselheiro, o funcionário de carreira aposentado Jorge Luiz Gonzaga Ribeiro, deu voto contrário.
De acordo com Ribeiro, documentos apresentados ao colegiado demonstravam que cada assessor – hoje são três – teria “custo mensal” de R$ 26,4 mil. A assessoria dos Correios desmente a informação e sustenta que o salário bruto é de R$ 15.975. “A remuneração é, portanto, compatível com as responsabilidades do cargo e com valores praticados no mercado.”
Em acordo judicial homologado em julho, com aval do Ministério Público do Trabalho, a ECT encerrou uma disputa de anos e pacificou a existência de 16 cargos de assessores especiais – oito devem ser empregados da própria casa. Os salários são de R$ 19.454.
A assessoria dos Correios diz que os cargos já constavam do estatuto social e foram aprovados pelo Ministério da Economia e pelo conselho de administração da estatal. “Os assessores, que representam 0,016% dos universo dos empregados da empresa, possuem atribuições específicas e competências agregadoras e especializadas”, afirma. Para os representantes dos trabalhadores, trata-se de uma despesa que contradiz o discurso oficial de enxugamento. Por Daniel Rittner, Valor.
Venda dos Correios: uma outra visão
Diário do Poder
23/08/2020
Estão enganando o presidente Bolsonaro aqueles políticos que propõem a venda da empresa Correios do Brasil à iniciativa privada. Se fosse um negócio bom para o povo, os Estados Unidos, o altar-mor do capitalismo, já o teriam feito. O que se deve fazer, e logo, como fizeram os EUA, é simplesmente aperfeiçoar a quebra do monopólio estatal neste vital setor da comunicação. Mas, até por uma questão de segurança nacional, a empresa Correios do Brasil deve continuar sua existência já tão velha quanto a do nosso próprio país, 1808. Segurança nacional? Isso mesmo. Por que o leitor acha que o Trump quer impedir o eleitorado americano de votar pelo correio? Ora, porque o Post é uma instituição séria demais para praticar maracutaia de qualquer espécie. Já pensou se o correio americano estivesse em mãos particulares? E se esses particulares tivessem o mesmo caráter de Trump?
O Post existe desde 1775, portanto é uma das mais antigas instituições daquele país. E notem como é importante demais: seus dez diretores são designados pelo presidente da República e os nomes têm de ser aprovados pelo Senado. O presidente do Post está na linha de sucessão da Casa Branca depois do vice, do presidente da Câmara, do presidente da Suprema Corte e de não sei mais quem. Veja lá, hein? Tem hoje mais de 785 mil trabalhadores, respeitados pela população pela sua honestidade comprovada. Que vem desde o tempo do faroeste: nunca um carteiro americano fez aliança com assaltante de diligência.
Menos de cem anos após a fundação do Post, o governo dos Estados Unidos decidiu quebrar parte do monopólio e em 1851 autorizou o funcionamento de empresas privadas no setor. A emissão de selos postais, que do ponto de vista monetário é moeda corrente, permaneceu em suas mãos seguras. Foi então que nasceu a Western Union, que passava telegramas e era agente bancário também. No século passado, nova reforma autorizou o funcionamento de correios particulares. Nasceram o Federal Express e a UPS, hoje duas gigantes da comunicação internacional, sendo o Fedex a proprietária da maior frota de aviões do mundo. Voa por dia mais quilometragem do que as dez maiores companhias aéreas de passageiros.
França, Itália, Alemanha seguiram o exemplo dos Estados Unidos.
Por que o Brasil não pode?
As greves sucessivas na ECT assustam? Ora, que se faça um novo contrato social em que aumento de salário só é concedido se houver lucro.
Inchaço de pessoal? Ora, demita-se aquele que for dispensável. Enxugue a máquina.
Estimule a formação de empresas como o Fedex. E deixem as internacionais operarem aqui dentro.
Gestões seguidas de prejuízos? Os diretores respondem pelo seu CPF, aliás, como está na lei de responsabilidade fiscal.
Lá em cima citei a malandragem do Trump que colocou o Post em evidência esta semana. O exemplo não nos serve, dirá o leitor, já que a lei eleitoral brasileira não permite o voto pelo correio.
O trem de ferro, no século XIX, produziu em todo o mundo uma dramática revolução nas comunicações. Sepultou velharias e introduziu inovações com sua rapidez sobre trilhos. Foi por causa dessa invenção que o Post começou a quebrar o monopólio da comunicação interpessoal e autorizou empresas privadas a passar telegrama. A telefonia celular está fazendo em nosso século, com muito mais exorbitância, uma revolução planetária a que nenhum de nós imagina onde vai parar. Quem sabe nossos netos vão votar pelo smartphone? Desde que, quem recolha o voto digital, seja uma empresa tão honesta como o Post. Ou como o Correio do Brasil.
Privatização dos Correios: Exemplo argentino terminou em escândalo de corrupção envolvendo a família Macri
Empresa foi vendida nos Anos 90 por Carlos Menem, e o comprador foi Franco Macri, cuja administração desastrosa produziu dívida de quase 1 bilhão de dólares com o Estado, que seu filho Mauricio tentou “apagar” quando foi presidente
Revista Forum
25/08/2020
A privatização dos Correios é um dos debates do momento no Brasil, por se tratar de um dos projetos prioritários da Secretaria de Desestatização do governo de Jair Bolsonaro e por ser o estopim da greve iniciada na semana passada.
Aqueles que defendem a privatização utilizam o seu argumento de sempre, de que “isso traria mais qualidade ao serviço, e acabaria com a corrupção envolvendo a empresa”. Porém, um exemplo que está bem do lado do Brasil mostra claramente que a chegada do setor privado não garante nem essa suposta eficiência, nem a transparência. E, o mais curioso, envolve o sobrenome Macri, que já foi idolatrado pelos liberais brasileiros – embora hoje eles prefiram esquecê-lo.
Tudo começou em março de 1997, que se concluiu o processo de privatização da empresa Correo Argentino, durante o governo de Carlos Menem, o grande privatizador do país. Segundo informe da Télam (agência pública de notícias da Argentina), a concessão foi entregue à empresa SOCMA (abreviação de “Sociedad Macri”), cujo dono era Franco Macri, pai de Mauricio Macri, que naquele então usava bigode e era presidente do clube Boca Juniors. O contrato tornou a Argentina um dos primeiros países do mundo a entregar o serviço postal inteiramente à iniciativa privada.
Quatro anos depois, em meados de 2001, uma investigação jornalística indicou que a SOCMA havia pagado ao Estado apenas o que estava previsto no primeiro ano da concessão. Eram tempos de crise econômica na Argentina, o Estado estava quase falido e a população vivia sob a regra do chamado “corralito”, o limite para transações bancárias necessário para evitar que o sistema financeiro quebrasse de vez.
Longe de ser vítima dessa situação, o caso SOCMA-Correo era um dos responsáveis: entre 1998 e 2001, Franco Macri acumulou uma dívida de 296 milhões de pesos com o Estado argentino, aprofundando a crise que levaria o então presidente Fernando de la Rúa, sucessor de Menem, a renunciar à presidência.
Dois anos depois, em novembro de 2003, o novo presidente eleito do país inaugurava uma guerra entre famílias que persiste até hoje. O presidente era Néstor Kirchner, que decidiu rescindir a concessão à SOCMA, reestatizar o serviço e iniciar um processo judicial para que a família Macri pagasse os milhões que devia ao Estado.
O talento dos advogados da SOCMA manteve o processo avançando lentamente na Justiça, e 13 anos depois, em junho de 2016, o cenário político era bem diferente: Néstor Kirchner estava morto e sua esposa, Cristina Kirchner, teve dois mandatos presidenciais, mas também já não estava na Casa Rosada. Por sua parte, Franco Macri vivia seus últimos meses de vida, e já havia se afastado do comando da SOCMA, que estava nas mãos de seus filhos – ou, mais precisamente de Gianfranco Macri, já que o mais velho, Mauricio Macri, era o presidente da Argentina.
Em meio a esse contexto, a Câmara Nacional de Recursos Comerciais da Argentina (ligada ao governo, e, portanto, administrada por pessoas nomeadas por Mauricio Macri) convocou uma audiência entre os representantes da empresa Correo Argentino e da SOCMA, para chegar a um acordo e saldar a dívida. Curiosamente, os representantes do Estado acataram a proposta da empresa, que oferecia o pagamento de 100% do capital verificado (296 milhões de pesos) em 15 parcelas anuais e consecutivas, que seriam pagas a partir de 2017.
O acordo foi aprovado pela Justiça Comercial, mas rejeitado pela Procuradoria Geral da Câmara de Recursos Comerciais. Segundo a promotora Gabriela Boquín, a oferta da empresa era “abusiva” e sua aceitação significaria “danificar gravemente o patrimônio do Estado”, já que não considerava a correção dos valores da época, o que levaria o Estado argentino a uma perda de cerca de 70 bilhões de pesos (cerca de 970 milhões de dólares).
“A empresa da família Macri gozou de um estado de falência eterna e conseguiu suspender o pagamento aos seus credores por mais de 15 anos, e esse é um dos elementos que a proposta atual simplesmente omite”, foi um dos argumentos da promotora para considerar a oferta da SOCMA desvantajosa para o Estado.
Em fevereiro do ano seguinte, o deputado kirschnetista Martín Sabbatella e o advogado Daniel Igolnikov denunciaram criminalmente o governo Macri pelo acordo. O caso caiu nas mãos do juiz Ariel Lijo e a investigação encontrou pistas de que o então ministro das Comunicações, Oscar Aguad, teria preparado uma proposta feita sob medida para satisfazer os interesses da família Macri, e assim surgiu a suspeita de que o presidente estaria usando o cargo para ajudar a empresa da família a se livrar de sua dívida mais importante.
Este novo processo judicial avançou de forma menos lenta que aquele no qual Kirchner tentava cobrar a dívida dos Macri com o Estado, ainda assim, com as pressões do governo sobre a Justiça, o ministro Aguad terminou dando seu testemunho somente em março de 2019, quando já não era mais encarregado da pasta de Comunicação – havia sido remanejado ao Ministério da Defesa, meses antes.
Já era ano eleitoral, e Macri lutava por sua reeleição, e por isso era preciso tirar aquela pedra do sapato. Além disso, Franco Macri havia falecido, tornando os filhos Mauricio e Gianfranco herdeiros da dívida da SOCMA.
Em abril de 2019, os advogados da família Macri exigiram o encerramento do processo por “falta de provas”. No entanto, o pedido foi rejeitado em agosto do mesmo ano. Finalmente, em março deste ano, com Alberto Fernández na Casa Rosada e Mauricio já como ex-presidente, a juíza Marta Cirulli, que substituiu Ariel Lijo, ordenou a “intervenção total da empresa Correo Argentino e o deslocamento de seus dirigentes, em cumprimento com as medidas recomendadas em 2016 pela promotora Gabriela Boquín”.
Depois de tudo, a privatização do serviço de correios da Argentina não trouxe nenhuma eficiência no serviço, que nunca havia sido questionado em sua qualidade – situação que se manteve depois que voltou às mãos do Estado, em 2003 –, e no que diz respeito à transparência, foi um desastre total, já que o serviço foi o estopim de um dos maiores casos de corrupção da história do país justamente pela administração errática de uma empresa privada, em um escândalo que só envolveu a política quando os privados que haviam recebido a concessão tomaram conta do setor público para atuar em causa própria e resolver suas dívidas.
Diante de tudo isso, alguém duvida de que o exemplo argentino deveria ser parte fundamental da discussão da privatização dos Correios no Brasil?
Direção Nacional da ADCAP.