O que falta para privatizar os Correios?
Governo que descobrir como permitir que o serviço posta prestado pela estatal
passe para a iniciativa privada
Gazeta do Povo
Dezembro 2019
O governo estuda quais são as possibilidades para a privatização do serviço postal, prestado pelos Correios, uma das principais estatais na lista para uma possível venda.
Foi autorizada a contratação de pareceres para avaliar a regulação e legislação do setor, as condições de mercado e experiências internacionais e a necessidade de atendimento universal do serviço postal. Os estudos estão sendo feitos pelo BNDES e as conclusões serão avaliadas por um comitê interministerial, formado, entre outros, pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e pelos ministérios da Economia (ME) e da Ciência, Tecnologia e Comunicações (MCTIC).
O grande imbróglio a ser resolvido é o fato de a Constituição prever, no seu artigo 21, que compete somente à União manter a prestação do serviço postal e de correio aéreo nacional. Já a lei número 6.538, de 1978, regula como essa prestação de serviço postal será feita: através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações, no caso os Correios, que deve seguir uma série de regras contidas na legislação. Por fim, a lei número 12.490, de 2011, moderniza algumas das funções do Correios previstas na lei anterior.
A necessidade de mexer na Constituição
Como o serviço postal está previsto na Constituição, a privatização total dos Correios precisaria ser feita por uma proposta de emenda constitucional (PEC), afirmam dois especialistas em telecomunicações consultados pela Gazeta do Povo. Essa PEC precisaria excluir da Constituição que compete somente à União prestar o serviço postal e de correio aéreo e deixar claro que esses serviços podem ser explorados por empresas privadas, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, com ojá acontece com aeroportos, portos e ferrovias, por exemplo.
“O Correios exerce uma função constitucional (o serviço postal). Para você privatizar, tem que mudar a Constituição. No artigo 21 diz que compete à União o serviço Postal. E como a União faz isso? Através dos Correios”, explica Marcos César, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap). Ele é servidor aposentado dos Correios e já foi membro do Conselho de administração da empresa.
Um consultor legislativo da Câmara dos Deputados acrescenta que, na Constituição, não existe nenhuma menção que o serviço postal e correio aéreo nacional possam ser feitos por empresa não pública, via concessão, autorização ou permissão. “Em tese, é o tipo de atividade que teria que ser feito diretamente pela União”, explica, ao falar reservadamente com a reportagem.
Mas parte da equipe econômica quer tentar fazer a privatização dos Correios via projeto de lei, modificando apenas as leis 6.538, de 1978, e 12.490, de 2011. Eles querem evitar a necessidade de enviar para o Congresso uma PEC quebrando o monopólio da estatal no serviço postal. As propostas de emenda à Constituição têm tramitação mais longa e precisam ser aprovadas por três quinto dos parlamentares. Já outros projetos precisam apenas de maioria simples ou absoluta.
Correios dividido em dois é opção para fugir de PEC
Só que para isso, dizem os especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o governo teria de separar o Correis em duas empresas: uma que continuaria responsável pelo setor postal, correio aéreo nacional e encomendas simples, e outra pelo Sedex, pelo serviço de malote e banco postal, que não são previstos na Constituição. Assim o governo poderia propor a privatização somente da parte dos Correios que cuida do Sedex e do malote, mantendo o resto da empresa uma estatal.
Essa alternativa, contudo, pode não ser viável economicamente, avalia Marcos César. O servidor aposentado da estatal diz que o serviço postal não consegue pagar sozinho toda a infraestrutura que os Correios tem para manter o serviço em todo o Brasil. Segundo César, hoje o Correios consegue bancar o serviço postal sem onerar o consumidor pois agregou outros serviços que podem ser prestados pela mesma infraestrutura, reduzindo os custos como um todo.
“O Correio brasileiro ele conseguiu uma forma de sucesso aqui quando ele juntou o serviço postal com o serviço de encomendas e com o serviço de banco postal. Você não leva só as cartas, mas leva também as encomendas. Isso é feito junto pelo mesmo carteiro. Em alguns lugares ainda menores, é o mesmo que atende na agência: de manhã ele entrega e à tarde ele fica na agência. Se você separar, como você vai fazer nessas cidades? Não tem como separar isso de forma simples e sem ser oneroso”, explica.
Procurado, o ministério da Economia afirmou que “no atual estágio de avaliação, há cenários possíveis (para privatização dos Correios) tanto em projeto de lei como em proposta de emenda à Constituição”. Os estudos vão indicar o caminho com maiores chances de sucesso”, diz a nota. O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) já autorizou a contratação de estudos por parte do BNDES, que tem até 180 dias para entregar os pareceres ao comitê interministerial.
Marco regulatório
Caso o governo decida a privatização dos Correios por inteiro – ou seja, incluindo o serviço postal – terá de propor e aprovar uma PEC e também mudar as legislações que tratam da função da estatal. Mas o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), o Marcos César, diz que, além de tudo isso, o governo precisaria fazer um marco regulatório para o setor.
“O marco regulatório é imprescindível. Você não pode pensar em mexer em uma infraestrutura nacional como é o serviço postal, que está no Brasil inteiro funcionando, sem ter um arcabouço regulatório todo montado, estruturado”, afirma. Seria, em linhas gerais, um processo, parecido quando o governo privatizou a Telebras, em 1998, quando se modificou a legislação, criou a regulação e também uma agência reguladora para fiscalização.
Já o consultor legislativo da Câmara especialista em telecomunicações consultado pela reportagem não acredita que seja necessário fazer um marco regulatório do setor postal, o que seria mais complexo e demandaria mais tempo. Mas reafirma que é preciso mudar a Constituição, se for privatizar o setor postal, e, através de lei complementares, estabelecer como funcionará a prestação do serviço por empresas privadas.
Direção Nacional da ADCAP.