O BNDES anunciou a contratação da Br Partners para fazer uma segunda avaliação econômico-financeira independente dos Correios. Do ponto de vista técnico, trata-se de um procedimento necessário num processo de desestatização relevante como o dos Correios. O problema, porém, está na priorização desse tema, no momento em que se desenvolve essa ação e na forma como isso está sendo feito.
Primeiramente, a opção de venda integral dos Correios anunciada pelo governo federal constitui a abdicação de controle sobre uma infraestrutura estratégica para qualquer nação. Nem mesmo nos exemplos utilizados como paradigmas nos estudos desenvolvidos – Alemanha e Japão – se fez isso. E, na imensa maioria dos países do mundo, os correios são públicos e não privados. Nos 10 maiores países do mundo em extensão territorial, por exemplo, todos são públicos.
A importância da infraestrutura postal decorre da relevância dos serviços dos correios para a integração nacional, para o desenvolvimento do comércio eletrônico e para a interligação com os demais países.
Tanto no caso da Alemanha quanto do Japão, a abertura de capital das respectivas organizações postais se deu dentro de processos de valorização das empresas, em busca de alavancagem para tornar essas companhias grandes players em seus setores de atuação. Foram processos cuidadosamente planejados e desenvolvidos ao longo de anos, após os quais os governos ainda comandam seus correios.
A situação é, portanto, muito distinta da brasileira, onde autoridades e técnicos do governo vão sistematicamente à mídia depreciar os Correios, para tentar, assim, convencer a população da necessidade de privatização. Alegam, entre outras falácias, que é preciso vender logo os Correios enquanto a empresa possui algum valor, quando se assiste um verdadeiro boom no comércio eletrônico e a empresa registra recordes sucessivos de postagens de objetos e alcança lucros crescentes.
Em vez de planejar o fortalecimento dos Correios, para que a organização busque consolidar a natural posição de líder regional e de grande player mundial, o governo defende o simples desmonte com alegações que não resistem a qualquer análise mais séria. Na verdade, o movimento tem como base tão somente uma posição ideológica, com potencial de gerar um imenso prejuízo aos brasileiros.
No meio de uma pandemia, uma discussão como essa é também completamente intempestiva. Como se tem visto, a infraestrutura postal é fundamental para assegurar o funcionamento do comércio eletrônico e tem feito isso de forma adequada, garantindo a sobrevivência de milhares de empresas que encontraram nesse canal uma forma de superar os efeitos da pandemia. Além disso, as contratações de consultorias e advogados demandam a alocação de recursos públicos que poderiam estar certamente mais bem alocados no combate aos efeitos da pandemia, na compra de mais vacinas ou no pagamento de auxílio emergencial, por exemplo.
Por fim, ao mesmo tempo em que o governo federal realiza essas ações via BNDES, o PL-591/2021 que trata desse tema tem a tramitação acelerada na Câmara dos Deputados, atropelando fases importantes da análise legislativa, apesar de a própria constitucionalidade da iniciativa de privatizar os Correios estar sendo fortemente questionada, havendo até mesmo em tramitação no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
É realmente muito diferente a situação brasileira. Enquanto nos poucos países em que se abriu o capital do correio local isso foi feito com respeito à legislação vigente, bastante tempo, cuidadoso planejamento, valorização da empresa e manutenção do controle do Estado, aqui nossos lesa-pátrias pregam o atropelo à Constituição e ao processo legislativo, a visão de curtíssimo prazo, a depreciação do ativo e o completo afastamento do Estado do controle. É a receita certa para o fracasso do país.
ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios