Em matéria recente intitulada “Discussão histérica sobre o valor dos Correios é uma grande bobagem”, publicada em https://www.bol.uol.com.br/noticias/2021/09/02/discussao-histerica-sobre-valor-de-venda-dos-correios-e-uma-grande-bobagem.htm , o articulista apresentou alguns argumentos que comentaremos a seguir, já que na matéria foi mencionada uma citação feita à imprensa pela ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios.
Primeiramente, é importante destacar que a campanha contra a privatização dos Correios não foi iniciada na semana passada, como disse o articulista, mas sim há dois anos, quando o governo federal anunciou sua intenção. Vasto material a respeito pode ser visto em https://facebook.com/todospeloscorreios
Desde o momento inicial, a ADCAP sempre combateu a maneira rasa com que o tema era tratado pelo governo federal, inclusive com informações sabidamente falsas apresentadas por membros do governo para tentar convencer a população da necessidade de privatizar os Correios. Na realidade, a ADCAP sempre defendeu que as avaliações sobre o assunto fossem aprofundadas em todos os aspectos e não apenas nos econômicos, ainda que mesmo se restritas a esses aspectos não justificariam a privatização dos Correios. A ADCAP entende, portanto, que o aprofundamento deve começar muito antes da discussão sobre o valuation da Empresa, nas questões da constitucionalidade e do interesse público de uma medida como essa.
Na questão da constitucionalidade, que é basilar e incontornável, o governo federal já adota um caminho indefensável, conforme apontado na ADI-6635 que a ADCAP apresentou ao STF e que já conta com parecer da PGR apontando a inconstitucionalidade da iniciativa.
Na questão do interesse público, também tratada de forma rasa pelo governo federal, as justificativas apresentadas até agora são incapazes de resistir ao menor aprofundamento. Nessa seara a questão vai além do custo de oportunidade mencionada pelo articulista, pois os brasileiros já contam hoje com um serviço postal público abrangente, acessível e sustentável, capaz de não só garantir a universalização dos serviços postais, mas também de assegurar uma infraestrutura logística que suporta em grande parte as operações de comércio eletrônico no Brasil, levando efetivamente cidadania e oportunidade aos cidadãos. A considerar ainda o fato de que o serviço postal é prestado por entidades públicas na imensa maioria dos países do mundo, havendo apenas 8 países onde esse serviço é totalmente privatizado, como se propugna fazer no Brasil. Somadas as áreas desses 8 países – Aruba, Cingapura, Grã-Bretanha, Líbano, Malásia, Malta, Países Baixos e Portugal – se tem menos que a área do Estado do Mato Grosso. Em nenhum dos 20 maiores países em território o serviço postal é privatizado, o que acentua a característica eminentemente pública desse tipo de serviço.
Antes, portanto, de discutir tecnicidades de processos de valuation e do processo de venda, como propõe o artigo, é necessário debater questões de fundo muito mais importantes, às quais ainda acrescentaríamos uma que certamente poderia ter sido explorada a partir da experiência do articulista, mas não foi: o potencial impacto que a compra dos Correios traria para os demais atores do mercado, especialmente para os grandes marketplaces e empresas de entrega de encomendas de porte. Hoje eles têm nos Correios um prestador de serviços que atende a todos de forma similar, viabilizando as entregas em muitos locais onde nenhum outro operador se aventura em ir. Isso parece bem melhor do que ter um concorrente no comando dos Correios, com poder para subir preços e eliminar rotas, por exemplo. Como o CADE verá uma questão como essa?
Sobre a questão dos resultados dos Correios e de sua capacidade de investimento, cremos que os lucros apresentados pela empresa nos últimos anos, especialmente os registrados em 2020, de mais de R$ 1,5 bilhão, e em 2021, de mais de R$ 1 bilhão até julho, somado ao fato de a estatal ter renovado boa parte de sua frota nos últimos dois anos (mais de 7 mil veículos novos) já mostra que não procede qualquer ilação sobre eventual necessidade de futuro aporte do Tesouro. Mas pode-se ainda acrescentar o estudo de continuidade operacional realizado pela área financeira dos Correios e apresentado à diretoria da empresa em março último, que apontou um cenário para os próximos dez anos de lucros bilionários.
A verdade é que, diferentemente do que tem ocorrido, um processo como esse precisaria ser conduzido com respeito às leis, racionalidade, transparência e foco no interesse público. Se fosse conduzido assim, se teria percebido logo que a tentativa de venda dos Correios é uma grande bobagem.
Marcos César Alves Silva, Administrador Postal Sênior, Vice-Presidente da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios
Direção Nacional da ADCAP.