Funcionários dos Correios convocam greve em meio a debate de privatização
Com a pandemia da Covid-19 aumentando a demanda por entregas, funcionários devem parar no próximo dia 18 — e o serviço mostra-se às mínguas
Veja
03/08/2020
Caiu pessimamente a entrevista do presidente dos Correios, general Floriano Peixoto, publicada em VEJA da semana passada, nos grupos sindicais que reúnem trabalhadores do serviço postal. Na conversa, ele afirma que aceitou o cargo com a missão de acelerar o processo de privatização da empresa e assumiu a redução de benesses concedidas aos empregados, oásis para qualquer trabalhador — e nocivo para qualquer empresa.
“Alguns benefícios estão sendo cortados porque a empresa não tem capacidade financeira nem condição de sustentar perante a sociedade a preservação deles em um momento tão difícil”, disserta ele. A resposta veio.
“Direito não se retira, se amplia”, vaticina uma campanha convocando greve dos funcionários a partir do dia 18. “Não nos resta outra saída a não ser construir uma greve nacional por tempo indeterminado para contrapor todos os ataques colocados em curso pelo governo Bolsonaro e o presidente Floriano Peixoto”, diz o comunicado de um dos sindicatos divulgado nesta segunda-feira, 3.
Num momento tão delicado, com a pandemia da Covid-19 corroendo as saídas e aumentando a demanda por entregas, os Correios fazem um rebuliço — e o serviço mostra-se às mínguas. A companhia de serviços postais ocupa o segundo lugar na listagem de piores empresas no site Reclame Aqui, com nota média de 3,8 entre os internautas. Entre o início de janeiro e o último dia de julho, foram 42.488 reclamações no portal.
Se o serviço não agrada os consumidores, os benefícios dos funcionários do serviço postal, são gordos. Os 100 mil funcionários têm direito a licença-paternidade extensiva e vale-alimentação acima do valor de mercado. Segundo a categoria, a empresa visa retirar 70 direitos conquistados pela categoria. A previdência privada da companhia, porém, é dos mais graves problemas da empresa. Em março, pior momento da pandemia, o fundo Postalis acumulava rombo de 53,4 bilhões de reais. Com deficit de 2,4 bilhões de reais, os Correios são uma das joias da coroa do ministro da Economia, Paulo Guedes, para a privatização.
Segundo comunicado dos sindicatos, as organizações optaram por construir a data de assembleias nacionais para o dia 18 de agosto, com deflagração da greve a partir da meianoite. “caso a empresa não apresente uma proposta que atenda aos trabalhadores, e recue dos ataques contra nossa categoria”. E a celeuma dos funcionários é, justamente, o principal entrave para a privatização. O secretário de Desestatização, Salim Mattar, lotado no Ministério da Economia, tem reclamado do ambiente político que ronda qualquer discussão sobre a venda da empresa. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, é responsável pelo desenho dos planos de concessão dos Correios e, ao lado dos ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo; e Walter Braga Netto, da Casa Civil, responsável pela articulação no Congresso Nacional para dar vazão ao projeto de desestatização do serviço postal. Mas o caminho ainda é longo.
Segundo as contas de Salim Mattar, graças aos trâmites internos e as costuras políticas, a venda da estatal não deve sair do papel antes do final de 2021. Incluído no Programa de Parcerias e Investimentos, o PPI, em agosto do ano passado, o cronograma trabalhado internamente no Ministério da Economia aponta a necessidade de uma construção de dois anos para o projeto ser concluído. Outro entrave é a quebra do monopólio dos serviços postais, que, estuda-se, pode ficar em alguma subsidiária estatal para limitar os trâmites pela venda da empresa, já que a alteração demandaria a aprovação de mudanças constitucionais. “Hoje, são poucos os que enviam e entregam cartas. Os Correios viraram uma empresa como as transportadoras privadas, com eficiência muito pior do que as outras”, diz um executivo do Ministério da Economia. Prometido como um dos nortes da gestão de Guedes, a venda dos Correios é vista como primordial dentro da pasta. É patente que o ministro não se espelhe nos péssimos serviços postais do país — e entregue o mais rápido possível. Por Victor Irajá, Veja.
Federação de funcionários dos Correios convoca greve geral para dia 18
Categoria aponta que teve 70 direitos revogados e reclama por melhores condições de trabalho durante a pandemia
Estadão
03/08/2020
Funcionários dos Correios afirmam que devem entrar em greve no próximo dia 18, alegando que tiveram 70 direitos revogados, como 30% do adicional de risco, vale-alimentação e auxílio-creche. De acordo com a Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), a categoria entrou em estado de greve e vai realizar assembleias regionais no dia 17 para confirmar a paralisação.
Em nota publicada em seu site, a federação aponta que os Correios desrespeitaram um acordo coletivo vigente até 2021, e que funcionários receberam o contracheque de agosto com descontos indevidos. “Não estamos fazendo uma reivindicação, estamos tentando manter o que a gente já tem há mais de 30 anos”, afirma José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Fentect.
A Fentect ainda afirma que houve aumento na participação dos planos de saúde, enquanto houve redução da parte da empresa, algo incompatível com a média do piso salarial dos funcionários, de R$ 1,7 mil. “Já saíram mais de 40 mil pessoas do plano por não conseguirem pagar. Hoje, estamos pagando 50% de todo o custo, sendo que antes era 10%, e em 2017 passou a ser 30%”, diz Rivaldo.
Além disso, a federação afirma que há “descaso e negligência da empresa com a vida de trabalhadores e clientes” durante a pandemia. De acordo com a publicação no site da Fentect, os sindicatos estão travando diversas disputas judiciais para haver maior distribuição de itens de segurança, como sabonete, álcool em gel, desinfecção de agências e testagem de trabalhadores.
O sindicato também diz que os Correios se negam a fornecer os dados de funcionários e terceirizados infectados pela covid-19 e a quantidade de óbitos pela doença. O secretário-geral da Fentect afirmou que mais de 50 funcionários morreram em decorrência do novo coronavírus, e que falta transparência no órgão.
Para a federação, os Correios têm passado por sucessivos desmontes, como justificativa para uma futura privatização. “É um sucateamento que se agravou nos últimos anos, que se junta ao enxugamento da empresa, em que fazem um plano de demissão voluntário, mas não preveem reposição por meio de concurso”, diz Rivaldo.
Necessidade de adequação
Procurados pelo Estadão, os Correios responderam que não descumpriram nenhuma lei, e que precisaram “se adequar não só ao que o mercado está praticando, mas, também, ao que está previsto na legislação”, por causa da dificuldade financeira da empresa. “Os Correios esclarecem que não pretendem suprimir direitos dos empregados. A empresa propõe ajustes dos benefícios concedidos ao que está previsto na CLT e em outras legislações, resguardando todos os direitos dos empregados”, aponta a nota enviada pela empresa.
Os Correios também afirmam que as reivindicações da Fentect gerariam um acréscimo de R$ 961 milhões nas despesas, quase dez vezes o lucro do ano de 2019. De acordo com Rivaldo, não haveria nenhuma despesa extra, pois os benefícios já estavam garantidos.
Quanto à distribuição de equipamentos de segurança, os Correios disseram que não procede a falta de distribuição, e que seguem adotando medidas de proteção, como o recebimento de máscaras laváveis e álcool em gel, além da sanitização do ambiente em caso de suspeita de contaminação.
A empresa não divulgou o número de funcionários contaminados e de óbitos pela covid-19, alegando compartilhar essas informações apenas com as autoridades competentes.
Reação do governo
O secretário especial de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, criticou a possibilidade de greve dos funcionários dos Correios em plena crise da pandemia da covid-19. Segundo ele, os funcionários ameaçam deflagrar uma nova greve a partir de amanhã.
“A empresa nos últimos 12 anos só não entrou em greve no ano da campanha da ex-presidente Dilma em 2010. Estatais são foco das greves que atormentam o País”, escreveu Salim em mensagem na sua rede social.
Salim publicou gráfico com dados sobre as greves nas empresas estatais desde 1984. Em 2018, as greves somaram 73. O pico (171) foi em 1989.
Correios – a verdade sobre a situação dos trabalhadores
ADCAP
04/08/2020
Em 2019, ao julgar o dissídio coletivo dos Correios, o TST emitiu um acórdão que, entre suas cláusulas, estabeleceu a vigência do instrumento por dois anos, ou seja, até agosto de 2021.
Apesar de o acórdão trazer reduções aos benefícios dos trabalhadores, a direção dos Correios, mesmo assim, procurou o Presidente do STF e obteve uma liminar suspendendo essa cláusula de vigência do acórdão e outra relacionada ao plano de saúde dos trabalhadores.
A partir dessa liminar, que persiste em vigor até hoje, a direção dos Correios modificou o compartilhamento do plano de saúde dos trabalhadores, o que resultou no abandono do plano por mais de 15.000 desses trabalhadores, que voltaram com suas famílias para a fila do SUS, por não terem como arcar com o aumento do valor da mensalidades mais o aumento do compartilhamento estabelecido.
E agora, quando completa um ano do acórdão, a direção dos Correios, alegando vencimento do acordo trabalhista em vigor e aproveitando-se da pandemia, busca “passar a boiada” e reduzir significativamente a remuneração dos trabalhadores.
Os trabalhadores dos Correios são, em sua maioria, carteiros e atendentes. Na média, esses trabalhadores já recebem o menor salário dentre as estatais do governo federal (o salário inicial dos carteiros é R$ 1.757,48). Não são, portanto, marajás, mas sim trabalhadores como tantos outros brasileiros, que precisam se esforçar muito para conseguir arcar com as despesas normais de uma família. Quem tem na família alguém que trabalha nos Correios sabe bem disso.
Importante observar, também, que os trabalhadores dos Correios produzem as receitas que pagam seus salários, diferentemente do que acontece com diversas outras categorias, incluindo a dos militares, que, além de ganharem mais, dependem totalmente da arrecadação de impostos para a composição de seus salários – e, mesmo assim, tiveram aumentos salariais e não reduções, como tenta impor unilateralmente a direção dos Correios.
Diante deste quadro, é importante que a sociedade receba informações corretas sobre a situação, pois pode se ver diante de uma greve que lhe trará prejuízos e precisará entender por que isso aconteceu e quem lhe deu causa.
Assim, reforçamos alguns pontos relevantes para o entendimento da situação:
Não existe Acordo Coletivo em 2020 – O TST estabeleceu que o atual acordo tem vigência até 2021. Basta, portanto, que se cumpra o que ali está estabelecido. O STF julgará a liminar que suspendeu essa vigência no próximo dia 14/08. Terá, então, oportunidade de corrigir a situação, restabelecendo a vigência do acórdão.
A ausência de processo de negociação – Apesar de falar em “negociação”, o que a direção dos Correios tem feito é apresentar uma série de cortes inaceitáveis de benefícios já historicamente incorporados, o que empobrecerá ainda mais os trabalhadores, usando a pandemia como justificativa ou uma suposta orientação da SEST, do Ministério da Economia. Nenhum dirigente sindical dos Correios teve sequer uma única oportunidade de conversar com o Presidente dos Correios nesse um ano de gestão. Não há, portanto, como se falar em negociação em curso, mas sim em imposição intempestiva e descabida de uma brutal redução dos salários dos trabalhadores dos Correios pela direção da Empresa, como a supressão de rubricas de até 45% dos salários dos Carteiros.
Necessário lembrar, também, que a maioria dos benefícios dos empregados dos Correios têm mais de 20 anos e são fruto de negociações que buscaram minimizar o impacto de encargos trabalhistas que seriam assumidos pelos Correios na concessão direta de reajustes salariais, uma prática bastante comum nas empresas.
A continuidade das operações dos Correios – Apesar da pandemia, os Correios, como operadores de atividade essencial, continuam operando e atendendo, inclusive, ao aumento de demanda do comércio eletrônico. Como ocorre, porém, com as grandes transportadoras, os Correios enfrentam problemas pontuais quando ocorrem casos de COVID-19 em suas unidades. Nessas ocasiões, são necessárias providências para testar e afastar pessoas do trabalho, assim como substitui-las provisoriamente, e isso tem reflexos do tempo de prestação dos serviços. Mesmo nesse quadro complexo, da mesma forma que as gôndolas dos supermercados estão sendo abastecidas, as encomendas do comércio eletrônico também estão sendo entregues.
A saúde do trabalhador dos Correios – Apesar de a direção da Empresa ter demorado muito a abastecer as unidades dos materiais de proteção necessários e de ainda haver falta desses materiais em muitos locais, os trabalhadores continuam a desenvolver suas atividades, muitas vezes arcando com a aquisição desses materiais. Diversos trabalhadores dos Correios já contraíram a COVID-19 e alguns faleceram em decorrência da doença. A Empresa não tem divulgado os números a respeito, apesar das cobranças a respeito já feitas pelas entidades representativas.
Um período de pandemia deveria ser marcado pelo reconhecimento daqueles que, por força da atividade essencial que exercem, se colocam em risco para que as demais pessoas possam ter algum conforto em suas vidas. Nesse conjunto de trabalhadores mais expostos, estão os médicos, enfermeiros, policiais, bombeiros e os carteiros e atendentes dos Correios. Não há, portanto, nenhum cabimento ou justiça na atitude da direção dos Correios de tentar forçar uma situação para reduzir a remuneração dos trabalhadores em plena pandemia.
Esperamos que a sociedade compreenda isso e não se deixe levar por fake news que tentam atribuir aos trabalhadores dos Correios a responsabilidade por uma situação que está sendo criada exclusivamente por decisões descabidas da direção da Empresa, as quais, se implementadas, tirarão o pão da mesa de quem não mereceria passar por isso, além de arranhar de forma severa a própria imagem da organização.
Direção Nacional da ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios.