Além da questão de fundo da inconstitucionalidade, já apresentada pela ADCAP ao STF, por meio da ADI-6635, o PL-591/2021 têm outras falhas que igualmente o ferem de morte, como trataremos a seguir:
Ausência de orçamento para cobrir novas despesas da União
O projeto prevê a existência de tarifa social e a ampliação significativa das atribuições e, consequentemente, da estrutura da Anatel, iniciativas que claramente demandarão recursos para serem implementadas. Apesar disso, o projeto afirma que não haverá oneração da União e não aponta outra fonte de recursos. A emenda apresentada pelo deputado Bohn Gass buscava corrigir isso, criando um fundo para custear essas despesas. Com a rejeição da emenda, o projeto gera despesas sem fonte de recursos para cobri-las.
Ausência de garantias para cobrir os passivos trabalhistas dos Correios
O projeto não estabelece nada mais concreto sobre as garantias que seriam exigidas dos potenciais adquirentes dos Correios para cobrir passivos importantes, como os trabalhistas e previdenciários. Sem algo nessa linha, a privatização pode colocar em risco os direitos dos trabalhadores, que poderão ser expostos a um grande calote pelo ente privado. A emenda corrigindo isso apresentada pelo Deputado Bohn Gass foi rejeitada e, assim, se houver mesmo a privatização, os trabalhadores correrão sério risco de o comprador não honrar essas dívidas que, no caso dos Correios, são bilionárias e sem um dimensionamento preciso.
Tarifas diferenciadas para cartas
O projeto trouxe uma inovação que pretende implantar no Brasil uma prática tarifária contrária à própria natureza do serviço postal universal – a possibilidade de estabelecimento de tarifas de correspondências com preços diferenciados a partir das origens e destinos das cartas. No mundo todo, o serviço de cartas tem preços únicos no território, variando apenas em função dos pesos e dimensões dos objetos. As emendas apresentadas pela deputada Talíria Petrone e pelo deputado André Figueiredo procuravam corrigir isso, assegurando a manutenção da atual igualdade tarifária no território nacional. Com a rejeição, se a privatização avançar, os brasileiros deixarão de pagar uma tarifa única para as cartas, que é uma das menores do mundo, para pagar valores diferenciados, a serem estabelecidos pelo ente privado. Dá para imaginar que os clientes serão substancialmente onerados.
Transferência para o executivo de competência típica do legislativo
O projeto propunha a transferência de atribuições típicas do legislativo para o executivo, como, por exemplo, a definição da política do serviço postal e dos serviços postais universais ou de interesse social. A emenda proposta pelo deputado André Figueiredo corrigia isso, restabelecendo a competência do Congresso Nacional para deliberar sobre esses temas, competindo ao executivo a implementação. Com a rejeição, o Congresso abdica de uma atribuição de definição de políticas públicas que seria naturalmente sua e deixa os temas à mercê tão somente de decisões do executivo.
Privatização x Transformação em empresa de economia mista
O projeto prevê a possibilidade de desestatização dos Correios. Na realidade, foi formulado exclusivamente para tentar viabilizar isso, apesar das tentativas de mascarar a real intenção. A emenda apresentada pelo deputado Renildo Calheiros e o destaque apresentado pela bancada do PC do B procuravam corrigir isso, mas foram rejeitados. Com a rejeição, se o projeto for aprovado no Senado e o STF não se manifestar sobre a constitucionalidade da iniciativa, o governo federal poderá prosseguir com a completa privatização da empresa.
Fechamento de agências
O projeto estabelece a vedação do fechamento das agências que “garantam a prestação do serviço postal universal em áreas remotas do país, conforme regulamentação”. Tal disposição pareceu insuficiente e subjetiva ao deputado Bira do Pindaré, que propôs emenda estabelecendo a proibição do fechamento de agências em municípios ou distritos com mais de 500 habitantes, o que garantiria a atual situação de presença capilarizada dos Correios. Com a rejeição da emenda, ficará para a regulamentação o estabelecimento do que seriam as áreas remotas do país. Dependendo de como for feita a regulamentação, muitos municípios poderão perder a presença local dos Correios.
Monopólio privado e por tempo indeterminado
O projeto estabelece um monopólio privado, por tempo indeterminado. Isso está assim expresso no projeto: “A exclusividade de que trata o caput terá duração mínima de cinco anos, contados da data de publicação desta Lei, podendo o contrato de concessão, a fim de garantir a prestação do serviço postal universal, estipular prazo superior”. Uma emenda proposta pelo deputado Bira do Pindaré buscou corrigir, pelo menos, a questão da indeterminação do prazo, fixando esse em 5 anos. Com a rejeição, manteve-se a situação de criação de um monopólio privado por tempo indeterminado.
A ADCAP espera que o Senado Federal cuide melhor desse tema e que o Supremo Tribunal Federal aprecie a ADI-6635, que expõe claramente a inconstitucionalidade desse desastrado movimento do governo federal.
ADCAP – Associação dos Profissionais dos Correios