Correios: tragédias, prejuízos e falta de investimento colocam estatal em xeque
O Povo Online
21/02/2018
De estatal que repassava mais da metade do lucro anual à União, Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) pode tornar-se, em menos de meia década, dependente do Governo Federal para manter funcionários e até realizar entregas. O diagnóstico mais recente sobre a organização foi divulgado no fim do ano passado pelo Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União (CGU). O levantamento mostra, por exemplo, que o patrimônio líquido do negócio — a diferença entre os ativos e o passivo — sofreu queda de 92,63%.
O relatório examina o período de 2011 a 2016, “quando a empresa apresentou crescente degradação na capacidade de pagamento a longo prazo, aumento do endividamento e da dependência de capitais de terceiros e, principalmente, redução drástica de rentabilidade, com a geração de prejuízos crescentes a partir do exercício de 2013”. A CGU usou demonstrativos contábeis publicados no site da organização.
Diagnóstico da CGU
Entre os fatores que impactam a situação financeira da estatal, o órgão de controle apontou a elevação do custo com pessoal. Enquanto o quadro de funcionários cresceu apenas 0,43%, passando de 114,9 mil para 115,4 mil, o montante financeiro empregado para mantê-los, sem considerar o benefício pós-emprego, aumentou 62,61%, indo de R$ 7,5 milhões para R$ 12,3 milhões. Levando em conta os valores com o benefício, houve aumento de 345,8%, passando de R$ 118,6 milhões para R$ 410,3 milhões. O relatório apontou ainda elevação de 179,73% nos custos com insumos, subindo de R$ 2,9 bilhões para R$ 5,3 bilhões. Houve ainda redução nas aplicações financeiras. Uma diminuição de 66,01%, caindo de R$ 5,9 milhões para R$ 2 bilhões. Outro fator apontado é a transferência “elevada” de recursos para a União. “Estes valores transferidos reduziram drasticamente a capacidade de investimento da empresa e, consequentemente, a sua viabilidade econômica financeira”, relata a CGU.
Transferência de recursos
Ainda conforme o documento da Controladoria, anualmente, os Correios devem passar pelo menos 25% do lucro à União. Na prática, é repassado 50% do valor. Em 2011, por exemplo, a empresa obteve um lucro de R$ 882,7 milhões, sendo que, desse total, foram deduzidos R$ 184 milhões de ajustes de exercícios anteriores e R$ 128,8 milhões de tributos sobre o lucro no período. Do valor restante são tirados ainda 5% referente à reserva legal — garantia paga ao Banco Central (BC) sobre os passivos.
Portanto, dos R$ 541,4 milhões que sobraram, metade deveria ser passado à União.
Porém, o Conselho Administrativo da entidade decidiu, em setembro de 2011, antecipar à União o valor de R$ 350 milhões. Ainda foram pagos R$ 392,8 milhões referentes ao dividendo de 2010, somados a R$ 793 milhões da reversão de Reserva de Contingência — paga para compensar , em exercício futuro, a diminuição de lucro —, R$ 55,8 milhões do lucro de 2009 e R$ 151,4 milhões referente à atualização monetária. No fim, a empresa precisou pagar R$ 1,74 bilhão ao Governo Federal.
Sucateamento sintomático
Conforme O POVO Online mostrou na última semana, a quantidade de indenizações pagas pelos Correios cresceu 1.054,56% em cinco anos, segundo o relatório da CGU. Os processos envolvem atraso, extravio, roubo, avaria, espoliação e outros incidentes que prejudicam o consumidor. As recompensas também são aplicadas a quem perde encomendas em situações como a que ocorreu no dia 13 de fevereiro, em Fortaleza, quando incêndio consumiu 90% do Centro de Triagem.
À época, a direção Sindicato dos Trabalhadores em Correios, Telégrafos e Similares do Estado do Ceará (Sintect-CE) informou que problemas no prédio eram denunciados há pelo menos dois anos. Em 13 meses, foi a quarta unidade da ECT que foi destruída por incêndio. No dia 3 de janeiro do ano passado, o Centro de Operações dos Correios de Santarém, no Pará, também sofreu com o fogo. Em 18 de dezembro, chamas consumiram galpão da empresa em Teresina, no Piauí. Já no último dia 2, cerca de 9 mil encomendas em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, foram queimadas.Para Israel Pereira Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos do Pará (Sincort-PA), a sequência de incêndios são “tragédias anunciadas”. “Há muito pedimos que os Correios revejam suas instalações, suas condições de trabalho, e eles alegam não ter recursos financeiro para isso, mas é o básico”, criticou.
Segundo Edilson Nete dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios do Piauí (Sintect-PI), o cenário em outros estados não é diferente. “O complexo de Teresina é precário e insalubre, já teve vários problema elétricos”, disse. Até agora, o laudo pericial sobre os incêndios ocorridos neste ano não foi divulgado. Quanto aos registrados no ano passado, os investigadores apontam falha elétrica nos prédios queimados.
Para o representante da categoria, independentemente dos laudos já concluídos, é preciso apurar a coincidência de tantos incêndios em tão pouco tempo. “São muitas tragédias, sempre em horários com poucas pessoas nas unidades. Tem de saber o motivo de tanto problema elétrico”, ressaltou.Privatizar é a solução?
Para sindicatos dos trabalhadores dos Correios, o “sucateamento” faz parte de um plano federal para privatizar a empresa. “A ideia é dissecar. Desde 2011, por exemplo, não há mais concurso. As unidades estão abandonadas, assim como os veículos e as bicicletas não recebem manutenção, os trabalhadores são expostos a situações insalubres”, lamentou Avelino Rocha, diretor do Sintect-CE. Ele argumenta que, com a queda na qualidade dos serviços prestados, a população tende a pressionar o Governo Federal a vender a estatal.
Já o economista e consultor empresarial Sérgio Melo avalia como positivo o negócio envolvendo a empresa, já que o setor público, “regra geral, não é um bom empresário”. Para ele, casos como a venda da Companhia Vale do Rio Doce (Vale) e da Telecomunicações Brasileiras (Telebrás) são prova disso. “São exemplos mais que contundentes demonstrando que a eficiência do setor privado é infinitamente maior”, afirmou.“A ineficiência dos Correios nos últimos anos salta aos olhos. A ingerência da política em uma atividade tão importante como essa atrapalha. Cria cascas políticas de partidos a ponto de se dizer que determinadas empresas pertencem a determinadas legendas”, criticou o economista.
O diretor do Sintect-CE rebate. Apesar de reconhecer os problemas, ele considera que reformas internas podem frear a crise que se estabeleceu na estatal. “A solução não é privatizar, é somente voltar a investir no setor operacional: fazer concurso e dar manutenção na frota”, disse. Segundo Rocha, o eventual negócio causaria mais problemas que benefícios aos usuários. “Os Correios têm um papel social importante de integração, vai a todos os lugares, incluindo os distantes. Uma empresa privada só vai querer os grandes eixos que dão lucro. A população ficaria desassistida”, afirmou.Em meio ao debate, Gilberto Kassab (PSD), ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MTC) — pasta a qual a ECT está submetida —, descartou neste ano a hipótese de vender a empresa à iniciativa privada. Em maio do ano passado, ele e o presidente da estatal, Guilherme Campos, cogitaram essa possibilidade. O recuo ocorreu após as contas da ECT apresentarem melhora. Ao invés de prejuízo na ordem de R$ 2 bilhões, como os registrados em 2015 e 2016, a projeção é de que o balanço do ano passado, ainda a ser divulgado, aponte perda de R$ 1 bilhão da estatal.Redução de danos
Ainda no ano passado, a CGU adiantou que era esperada melhora nos números da instituição a partir de 2016 devido ao reconhecimento da imunidade tributária recíproca entre o Governo Federal e a organização. “Trará, como impacto imediato, a redução da carga tributária das contribuições sociais ao PIS e à Cofins, visto que a Empresa passará a tributar a totalidade do seu faturamento pelo regime cumulativo, resultando em uma redução da despesa tributária em aproximadamente R$ 18 milhões anuais, podendo este valor variar proporcionalmente ao faturamento auferido”, apontou.Contudo, no texto, a Controladoria-Geral alerta para a necessidade de ações emergenciais com a intenção de frear as crescentes perdas. “Se medidas efetivas não forem tomadas, no curto prazo, para ampliação da receita e redução dos custos, principalmente em relação aos benefícios pós-emprego, constata-se que a empresa irá se tornar gradativamente dependente de recursos transferidos pela União para o seu custeio”.
À CGU, os Correios enviaram uma série de medidas que estão sendo tomadas com o intuito de reverter o quadro de sucessivos prejuízos e garantir a sustentabilidade econômica da organização. Entre as ações, está a revisão do plano estratégico e definição de modelo de gestão da estatal. O plano aponta para política de transparência, monitoramento e planejamento de resultados — além de redução de custos com pessoal e implantação de programas de segurança para evitar roubos, extravios e perdas das encomendas.Correios
Algumas medidas adotadas pela empresa foram suprimidas do documento a pedido da estatal sob alegação de serem informações estratégicas. Ao O POVO Online, a assessoria de imprensa dos Correios informa que a diretoria da organização vem trabalhando para recuperar o equilíbrio financeiro, otimizando a gestão e o controle de despesas. Entre as medidas adotadas estão a revisão de contratos, a adoção de nova política comercial, que permite maior participação da estatal no segmento de encomendas, e a redução de custos com pessoal e encargos sociais. “Também estamos racionalizando a rede de agências, e, diante da redução do segmento de mensagens, da introdução de novas tecnologias e da automação dos fluxos operacionais, estamos reavaliando o efetivo necessário”, explica.
No documento, a empresa afirma não especular sobre as causas do incêndio no Centro de Triagem de Cartas e Encomendas de Fortaleza e reitera que aguarda a conclusão da perícia técnica feita pela Polícia Federal (PF). “A respeito do diagnóstico/recomendações emitidas pela CGU no relatório nº 201700921, os Correios informam o andamento para cada recomendação emitida”, garante. A nota explica ainda que o resultado de 2017 está em fase de apuração.
Considerando a necessidade de compatibilização dos dados Financeiros com os dados Contábeis, o encaminhamento do resultado ocorrerá após aprovação das Demonstrações Financeiras anuais de 2017 e dos Demonstrativos Contábeis Trimestrais de 2018. Já o Relatório de Gestão de 2017 está sendo elaborado, com conclusão prevista até 31 de maio deste ano. O andamento da implementação das medidas propostas e os resultados alcançados serão demonstrados no relatório, como requerido pela CGU.
Confira o relatório da CGU sobre a situação econômica e financeira da estatal
A Lei da Entrega e a intervenção estatal na economia
ESTADÃO
20/2/18
O Estado de São Paulo promulgou a Lei Estadual nº 13.747/2009, que impõe aos fornecedores dar a opção aos consumidores de escolherem data e período para receberem os produtos ou serviços adquiridos. A justificativa dessa norma seria evitar que o consumidor venha a esperar por tempo indeterminado em sua residência ou outro lugar que deseja receber a entrega do produto ou a prestação do serviço adquirido, não lhe prejudicando, por conseguinte, nos seus afazeres diários.
Infelizmente a lei não fez qualquer distinção, aplicando genericamente a obrigação de entrega agendada a todo e qualquer produto ou serviço. Contudo, não são todos os produtos que impõem a entrega diretamente ao consumidor, exigindo-se que este ou seus familiares fiquem à disposição do fornecedor durante todo o dia.
Plenamente aplicável a justificativa legal quando se tratar da prestação de um serviço, podendo-se citar a instalação de internet, de TV a cabo, conserto de eletrodomésticos, dentre outros, ou quando se tratar de produto que foi adquirido e a entrega pessoal é essencial, como por exemplo eletrodomésticos ou móveis (fogão, ar-condicionado, camas, estantes). Por outro lado, produtos de dimensões singelas, como pequenas peças de roupas e livros poderiam continuar a ser entregues pelos Correios, já que seus pequenos pacotes podem ser recebidos nas portarias de prédios ou depositados em caixas de correios, sem qualquer ônus adicional ao mercado, incluídos os fornecedores e também os próprios consumidores.
Obviamente essa imposição legal forçou os fornecedores a investirem em seus departamentos de logística para adequação às obrigações correlatas, repassando o custo do frete para o consumidor que efetivamente optasse pela entrega agendada. No entanto, a Lei da Entrega foi posteriormente alterada pela Lei nº 14.951/2013, cuja modificação mais significativa proíbe justamente a cobrança de valor maior pela entrega agendada.
A partir de então, os custos dos investimentos nos departamentos de logística e de contratações de empresas de transporte especializado, como não puderam mais ser repassados aos consumidores que optassem pela entrega agendada, respeitadas as leis de mercado, acabaram por ser incorporados no processo produtivo ou operacional, impondo um aumento nos preços dos produtos e serviços, prejudicando os consumidores indistintamente, inclusive os que não necessitam ou não tem interesse na entrega agendada.
Conceito muitas vezes ignorado pela maioria dos governantes, políticos e servidores públicos, é que a empresa não produz faturamento ou lucro sem o auxílio humano. Necessário que os empresários, empregados e os consumidores administrem, trabalhem e consumam para que a empresa obtenha faturamento. E todo esse custo é incorporado no preço dos produtos e serviços, ou seja, quem paga a conta é o consumidor final.
Nesse passo, independente da intenção legislativa com a promulgação da Lei da Entrega e posterior vedação de cobrança de valor adicional pela entrega agendada, é inegável que o aumento dos custos dessa adequação do mercado acabaram direta ou indiretamente por atingir o consumidor final, que hoje paga mais caro pelo seu produto, serviço ou pelo frete da entrega, agendada ou não. Esse é um dos componentes da inflação, qual seja, a intervenção estatal na economia.
Mas não é só, diante das evidentes dificuldades em adaptar um mercado de logística, especialmente o da cidade de São Paulo, cujos problemas de trânsito, restrições de circulação, alagamentos, dentre outros, que são evidentes, os fornecedores de produtos e serviços, bem como as próprias empresas de logística, levaram um bom tempo para conseguirem se adequar à Lei da Entrega. E o Procon não perdeu tempo em sua ânsia arrecadatória, lavrando mais de 500 autuações em multas estimadas em 50 milhões de reais com base nessa lei específica, impondo assim mais ônus e custos aos fornecedores, que, como vimos, na ponta do mercado acaba por atingir e prejudicar o próprio consumidor final com o aumento dos preços dos produtos, serviços e fretes.
E posteriormente outro órgão público resolveu também utilizar o pano de fundo da Lei da Entrega para intervir desnecessariamente na economia. Isso porque o Ministério Público de São Paulo instaurou inicialmente o Inquérito Civil 14.161.1865/13 – 2º PJ e posteriormente ingressou com a Ação Civil Pública, sob o pretexto de que os fornecedores estariam descumprindo a Lei da Entrega.
No entendimento do Ministério Público, não obstante os fornecedores já estarem adequados à lei, com a possibilidade do consumidor optar pela entrega agendada sem ônus adicional, os prazos de entrega agendada estariam muito alongados se comparados com os prazos de entrega não agendada. Isso justificaria, na obtusa visão do Ministério Público, a possibilidade de imposição de prazo certo para a entrega agendada, ou seja, a modalidade de entrega agendada não poderia ser superior a 13 dias úteis adicionais ao prazo da entrega não agendada, ou no máximo 30 dias úteis contados da confirmação da compra.
Entretanto, o ponto crucial dessa pretensão do Ministério Público de regulamentação forçada do mercado e intervenção estatal na economia é que essas obrigações e esses prazos não estão previstas em lei, sendo totalmente arbitrários e subjetivos, uma vez que não cabe ao Ministério Público impor prazo para cumprimento de uma exigência legal, quando a própria lei assim não o fez. Caso contrário, estar-se-ia conferindo poder verdadeiramente legislativo a quem não compete legislar, em afronta ao princípio da separação dos poderes previsto na Constituição Federal.
Para ilustrar esse ponto, pergunta-se, por que o Ministério Público estabeleceu 13 dias úteis como prazo máximo para a entrega agendada, contados da data da entrega não agendada, e não 14 ou 10? Será que o prazo de 13 dias úteis para entrega agendada está em conformidade com as normas principiológicas do Código de Defesa do Consumidor e 14 dias úteis trariam graves e irreparáveis prejuízos ao consumidor? Evidentemente que não!
E pior, ao tentar impor prazos idênticos a todos os fornecedores indistintamente, o Ministério Público desconsidera as peculiaridades de cada empresa, de cada setor da economia, ramo de atividade, tipo de produto ou serviço, variáveis estas que necessariamente refletem no sistema logístico, sendo a tentativa de homogeneização do mercado uma aberração não embasada em qualquer critério técnico.
Muitos fornecedores acabaram por acatar a reprovável imposição ilegal do Ministério Público, receosos dos pedidos indenizatórios de dano moral coletivo, multas diárias e novas autuações por parte do Procon, repassando os custos de mais essa adequação aos seus produtos e serviços, e prejudicando mais uma vez o consumidor final que acaba por pagar a conta, sendo este o grande problema de não se respeitar a liberdade econômica e a livre iniciativa.
A fundação Heritage produziu um ranking de liberdade econômica com 180 países e, pasmem, o Brasil hoje se encontra no vexatório 140º lugar, ao lado de países como Togo, Paquistão e Etiópia, cujas condições econômicas e sociais precárias são notórias e inegáveis. Isso demonstra que o Brasil infelizmente tomou o rumo errado da desnecessária intervenção do Estado na economia, que após algumas variáveis e alguns anos resultou na maior recessão econômica de nossa história, com níveis de desemprego altíssimos e a população sem acesso a serviços básicos como saúde, educação e segurança.
E isso se justifica pois países com governos inchados, com maior intervenção estatal na economia, inevitavelmente se encontram em condições econômicas precárias, que infelizmente refletem em uma população que amarga péssimas condições básicas de saúde, educação e renda per capta. A Venezuela hoje é o exemplo perfeito dessa máxima, que também poderia passar por Cuba e Coreia do Norte, com o povo fadado à miséria e com direitos humanos básicos violados.
A história e a inegável realidade global não deixam dúvidas a esse respeito, já que na outra ponta, países como Cingapura, Austrália, Nova Zelândia e Suíça, cuja intervenção estatal na economia é apenas residual, atingem os melhores níveis de qualidade de vida, renda per capta e IDH (índice de desenvolvimento humano).
Importante destacar o conceito de livre concorrência, que para Fábio Ulhoa Coelho é o que “garante o fornecimento ao mercado, de produtos ou serviços com qualidade crescente e preços decrescentes”.
Não se pode pegar que a livre concorrência só tem lugar em mercados equilibrados, livres de poder econômico ou de um monopólio. Nestes casos a intervenção do Estado pode eventualmente se justificar na tentativa de buscar o equilíbrio e proteger o consumidor final, já que logicamente uma empresa que detém o monopólio de um setor da economia não precisa direcionar seus atos e decisões empresariais para ofertar melhores condições que seus concorrentes.
Contudo, no mercado varejista de venda de produtos e serviços pela internet, que foi atingido pela Lei da Entrega, sem nenhuma dúvida existe livre concorrência plena, com grandes, pequenos e até varejistas individuais ofertando seus produtos e serviços ao consumidor final, que tem à sua disposição incontáveis possibilidades de encontrar, por simples busca na internet, os melhores preços e condições para sua compra.
Nesse mercado, e isso é mais do que óbvio, a intervenção do Estado não se justifica e não é recomendável, já que os concorrentes são obrigados por direcionar sua livre iniciativa a oferecer melhores condições do que seus concorrentes, sob pena de perderem espaço no mercado, vendas, impactando negativamente em seus faturamentos.
Ou seja, o consumidor final que pretenda adquirir um produto ou serviço pela internet e que necessite da entrega agendada em dia e período certos para recebê-lo em sua residência, tem à sua disposição ampla gama de possibilidades, dos mais diversos fornecedores, podendo optar livremente por aquele que aliar bom preço às melhores condições de entrega.
Nesse ínterim, o fornecedor que, na linha do entendimento do Ministério Público, estiver oferecendo a possibilidade de entrega agendada apenas em uma data muito distante da data da compra, será preterido por outro fornecedor que disponibilizar essa entrega agendada em data mais próxima. E assim o fornecedor preterido será obrigado a melhorar suas condições de entrega agendada, guiado pela livre concorrência, mas nunca pela reprovável intervenção estatal em um mercado que definitivamente não impõe essa necessidade.
Atualmente, devido à baixa demanda decorrente da forte recessão econômica que assola o país, os fornecedores e as empresas de transporte especializado conseguem cumprir a previsão de entrega dos produtos adquiridos pelos consumidores coincidentemente dentro do prazo exigido pelo Ministério Público. Todavia, tal prazo sofre variações de acordo com a demanda, sazonalidade, localidade do destino, trânsito da região, restrições de circulação e diversos outros fatores que podem ocasionalmente alongar o prazo da entrega agendada.
Obviamente, o prazo da entrega agendada será sempre mais elástico que o prazo sem agendamento justamente porque naquele devem ser alinhados a logística da empresa contratada pelo fornecedor com o melhor dia e turno escolhidos pelo consumidor, inexistindo intenção dos fornecedores em desestimular a opção pela entrega agendada, ainda mais em um mercado altamente competitivo, em que a livre concorrência impõe uma melhora contínua de preços, condições de pagamento e de entrega.
A descabida intervenção estatal na economia dá margem ao alardeado “custo Brasil”, quando as empresas e o empreendedor são obrigados a arcar com custos não previstos em lei, dando azo a insegurança jurídica, que em última análise propicia inflação, desemprego e a recessão econômica que invariavelmente o país enfrenta ao longo de sua história, agravada nos últimos anos.
Mas ainda há uma luz no fim do túnel. No último dia 18 de janeiro de 2018, a juíza Vanessa Ribeiro Mateus, da 8ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, julgou improcedente uma Ação Civil Pública do Ministério Público de São Paulo, entendendo não haver abusividade nos prazos da entrega agendada disponibilizada aos consumidores, bem como a inexistência de previsão legal para a tentativa de imposição de prazos certos para a entrega agendada.
Louvável o posicionamento da Magistrada, que obstou uma nova e desnecessária intervenção estatal na economia, respeitando a livre iniciativa e a autorregulamentação do mercado, protegendo empregos e o próprio consumidor final, que não terá que arcar mais uma vez com o aumento dos custos dos produtos que certamente a nova adaptação às ilegais obrigações pretendidas pelo Ministério Público imporia ao mercado. Entretanto, ainda cabe recurso. A luta por uma economia livre, apenas com uma intervenção estatal residual, sem a imposição de ônus ao mercado e prejuízos aos fornecedores e consumidores continua.
*Marcelo Domingues Pereira é advogado e sócio do escritório Falletti Advogados
Rabello apresenta à PF defesa da SR Rating no caso Postalis
VALOR ECONÔMICO
20/2/18
O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Paulo Rabello de Castro, apresentou hoje à Polícia Federal a defesa da SR Rating, da qual é fundador e sócio licenciado, no caso Postalis. Rabello reuniu-se, em Brasília, com o delegado da PF, Luis Flávio Zampronha, responsável pela Operação Pausare, que investiga prejuízos ao Postalis.
Rabello entregou ao delegado um pen-drive com 900 megabites e cerca de 5 mil folhas de documentos sobre a atuação da SR na análise de risco de crédito da Mudar Master II Participações, uma sociedade de propósito específico investida pelo fundo de pensão dos Correios. O investimento terminou em prejuízo de R$ 109,8 milhões para o Postalis. Rabello disse acreditar que fez o que era necessário para elucidar “por completo”, perante a PF, o papel da SR no caso Postalis.
Ele afirmou que a empresa poderá apresentar a documentação a outros órgãos públicos, inclusive à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), se for instada a fazê-lo. “A conduta da SR Rating foi exemplar. E foi exemplar porque é difícil, para uma agência de rating, conseguir fazer alertas durante o monitoramento que sejam antecedentes aos fatos”, afirmou.
Segundo ele, no caso da Mudar, a operação nasceu “correta”, com qualidade de crédito “mediana, mas plausível”, e com garantias. “Depois [a operação] começa a exalar cheiro estranho e a SR tempestivamente faz um downgrade [rebaixamento da nota de crédito] agressivo.” Em setembro de 2012, a SR Rating rebaixou em dois degraus, para “BB-“, na escala global, a nota de crédito da Mudar e, com esse rebaixamento, o Postalis poderia ter pedido o vencimento antecipado da dívida, o que não fez, segundo já relatado por Rabello. Houve ainda, segundo ele, um perdão (“waiver”) com o Postalis se abstendo de pedir o vencimento antecipado da dívida.
BNDES avalia apoiar desenvolvimento de inovações tecnológicas para uso da PF
O GLOBO
20/2/18
Banco também anunciará acordo com a Procuradoria para troca de informações Danielle Nogueira
RIO – O BNDES avalia financiar o desenvolvimento de inovações tecnológicas que fortaleçam e aprimorem o aparato de inteligência usado pela Polícia Federal (PF). Uma primeira conversa entre o presidente do banco de fomento, Paulo Rabello de Castro, e o diretor-geral da PF, Fernando Segovia, ocorreu no fim da tarde desta terça-feira, em Brasília.
Ainda não há definição das condições de financiamento, mas uma das possibilidades em estudo é que os recursos do banco empregados nos projetos sejam não reembolsáveis, a exemplo do que é feito em programas de modernização de escolas.
Nos próximos dias, o BNDES também deve anunciar um acordo de cooperação técnica com a Procuradoria Geral da República, com objetivo de facilitar o intercâmbio de informações. Como o banco lida com análise de crédito, tem acesso a informações detalhadas de empresas, que muitas vezes são alvo de investigação pelos procuradores.
— Temos muitas informações atualizadas em nossos cadastros. Desde que repeitado o sigilo bancário, poderemos compartilhá-las com a Procuradoria — disse Paulo Rabello.
DEPOIMENTO DE PAULO RABELLO À PF
O presidente do BNDES também prestou depoimento nesta terça-feira, em Brasília, ao delegado da PF Luís Flávio Zampronha, responsável pelo caso Postalis. A PF investiga supostas fraudes em investimentos feitos pelo fundo de pensão dos Correios, entre eles uma operação com o grupo Mudar que foi avaliada pela agência de classificação de risco de Paulo Rabello, a SR Rating. O BNDES não é alvo da investigação.
A operação em questão consistiu na emissão de Cédulas de Crédito Imobliário (CCI), instrumento usado para levantar recursos no mercado geralmete com objetivo de construir empreendimentos no setor. Essas emissões foram lastreadas em debêntures (títulos da dívida) de uma empresa do mesmo grupo, que por sua vez tinham como garantia imóveis e recebíveis de imóveis em construção. A PF questiona as garantias da transação, que causou prejuízo de R$ 109 milhões ao Postalis.
QUASE 1 GIGA EM ARQUIVOS
No depoimento, que durou duas horas, Paulo Rabello explicou ao delegado que o valor das garantias da operação superava o valor da dívida, ou seja, da emissão, em 30%. Ele apresentou uma lista de escrituras de imóveis e de mutuários que comprariam as propriedades. Os documentos integram quase 1 Gygabite de arquivos que o economista entregou a Zampronha.
Segundo Paulo Rabello, a operação financeira — que começou em dezembro de 2010, com a primeira emissão de CCI — correu bem até o fim de 2011. No ano seguinte, disse o dono da SR Rating ao delegado, o grupo Mudar começou a atrasar a entrega de informações à classificadora e também dos empreendimentos aos mutuários. Isso levou a agência de Paulo Rabello a rebaixar em dois degraus a nota de crédito dada à transação, de BB+ para BB-.
REBAIXAMENTO
O rebaixamento dava ao Postalis o direito de exigir o vencimento antecipado da operação, ou seja, executar as garantias e recuperar o dinheiro investido. Dois meses após o rebaixamento, porém, o fundo repactuou a operação com o grupo Mudar, substituindo as garantias iniciais por hipotecas de segundo grau (quando o investidor é o segundo na fila de preferência) de um dos empreendimentos da Mudar.
Os rebaixamentos continuaram até que, em 2014, uma das emissões de CCI recebeu nota D, que caracteriza calote. No fim das contas, o Postalis não recuperou um centavo sequer do dinheiro investido.
Direção Nacional da ADCAP.