PRIVATIZAÇÃO – PRÓS E CONTRAS
A privatização dos Correios é benéfica para o país? NÃO
Aumento de tarifas e piora no atendimento são consequências certas
Folha SP
03/06/2021
Por Marcos César Alves
Vice-presidente da Adcap (Associação dos Profissionais dos Correios)
Os brasileiros têm o privilégio de contar com um serviço postal que tem regularidade, ampla abrangência, tarifas módicas e ainda é autossustentável, ou seja, não depende de verbas públicas para se manter. Em qualquer lugar do mundo, isso seria visto como uma grande conquista e não como algo a ser desmontado, como tenta fazer a governo federal.
Com o quinto maior território dentre os quase 200 países do mundo, o Brasil possibilitou que os Correios encontrassem uma fórmula de sucesso que incomoda os que defendem um Estado mínimo ou a completa eliminação deste. É uma pedra no sapato dos ultraliberais, que tentam se desfazer da estatal de qualquer jeito, para não terem contraponto às suas teses extremistas.
Ocorre que o serviço postal é público na imensa maioria dos países do mundo. Só em oito nações os correios são totalmente privatizados, como querem fazer no Brasil. E em nenhum dos 20 maiores países do mundo em extensão territorial o modelo é privado.
A natureza pública da atividade postal fica ainda mais evidenciada quando se constata que em apenas 324 dos 5.570 municípios brasileiros a operação local dos Correios produz receitas superiores aos respectivos custos. Mesmo assim, os Correios estão lá para assegurar que todos os brasileiros tenham acesso ao serviço postal próximo a seus domicílios, independentemente do volume de entregas ou da infraestrutura de transporte existente. Em milhares desses locais, apenas os Correios vão até lá, porque é caro e difícil realizar esse trabalho.
Os riscos para a população e para a própria economia são, portanto, evidentes. Aumento de tarifas e piora no atendimento são consequências certas se o projeto prosperar. A questão sobre a qual se pode refletir é apenas os quão danosos serão esses efeitos para as pessoas e para as empresas.
Num país com tantas coisas a serem arrumadas, com tantas carências, é um completo contrassenso, um verdadeiro desatino mexer dessa forma numa infraestrutura nacional que está em pleno funcionamento, dando suporte a um dos poucos setores da economia que cresce: o comércio eletrônico. Não por acaso, os Correios foram agraciados por duas vezes com o prêmio de melhor empresa de logística no ecommerce pela Abcomm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico).
O que muitos talvez não saibam é que os Correios não são um órgão público estanque, de atuação limitada, mas sim um grande e complexo ecossistema empresarial que gera, de forma sustentável e sem dependência de recursos públicos, centenas de milhares de empregos diretos e indiretos para brasileiros —que estão nos quadros próprios da empresa, nas cerca de mil agências franqueadas, nas transportadoras e nos demais fornecedores que conjugam esforços para que o serviço postal seja realizado com êxito.
E, por fim, como já confirmou e ratificou a Procuradoria-Geral da República na ADI (ação direta de inconstitucionalidade) 6.635, que discute a constitucionalidade desse movimento do governo federal, o projeto afronta a própria Constituição, que estabelece de forma muito clara que cabe à União manter o serviço postal, diferenciando o tratamento dado com relação a outras atividades enquadradas, como exploração de atividade econômica, para as quais se admite a possibilidade de se prestar os serviços por meio de concessões, permissões e autorizações. Não há, portanto, nenhuma razão para privatizar os Correios.
A privatização dos Correios é benéfica para o país? SIM
Estatal se mostra incapaz de incorporar tecnologias vitais ao setor de logística
Folha SP
03/06/2021
Por Marcelo Silva
Presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo)
Os Correios sempre foram um ponto de atenção para os varejistas. Por diversas vezes, nos últimos anos, recebemos presidentes da empresa nas reuniões plenárias do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo) para entender e reivindicar melhorias nos serviços e atualizações dos sistemas operacionais e tecnológicos. Alertamos, também, para a necessidade de investimentos para comportar a agilidade e a capilaridade crescente do ecommerce, repassando dados e necessidades dos 76 maiores varejistas do Brasil, que, cada vez mais, gostariam de ampliar seus trabalhos com os Correios.
Mas o que aconteceu, na prática, sempre foi o contrário. Houve poucos investimentos, muitas vezes barrados pela burocracia pública imposta à estatal, que impede a agilidade de decisões e a incorporação de tecnologias mais avançadas ao setor de logística.
Com a pandemia, o quadro piorou ainda mais, pois a migração de um grande número de novos consumidores para as vendas virtuais obrigou os grandes varejistas a realizar investimentos próprios maiores e a buscar novos fornecedores logísticos.
Em resumo, o que vemos hoje é uma empresa emperrada pela burocracia estatal e mais desconectada do mercado. Isso nos leva a crer que os Correios estão fadados à perda cada vez maior de atuação e do restante de seu diferencial competitivo —especialmente sua capilaridade, que será continuamente trocada por serviços logísticos mais baratos e eficientes, oferecidos por empresas do setor que estão investindo fortemente em tecnologia, novos serviços e inteligência. Nessas áreas, os Correios pararam no tempo, e o atraso pode ser medido em todos os seus serviços.
Por outro lado, para um Estado inchado, com poucos recursos financeiros e inúmeras prioridades voltadas para a população, a desestatização se faz necessária em áreas de negócios nas quais o setor privado tem muito mais capacidade de atuar com investimentos em melhoria e ampliação dos serviços, inovação e tecnologia. A demanda para esse crescimento existe, e o Estado não tem como aportar os investimentos necessários para tirar os Correios da situação de quase sucateamento em que se encontra —vide o baixo valor investido nos últimos anos pela empresa, que, em curto espaço de tempo, caso nada seja feito, poderá deixar de ser superavitária para se tornar mais uma dependente dos cofres do governo. Ou seja, os Correios passarão a ser mais um grande problema financeiro para o Estado.
A logística move o Brasil, que precisa de um setor logístico forte e não apenas de uma empresa estatal forte porque é protegida. Os Correios precisam de investimento, e os recursos necessários para fazer girar a chave da empresa e colocá-la em condições de enfrentar os desafios do século 21 devem vir da iniciativa privada.
Assim, cabe ao governo adotar as medidas de correção de rumo que o caso exige: além da desestatização, criar uma agência regulatória independente que elabore normas, fiscalize e regulamente os produtos e serviços postais no Brasil para o mercado como um todo e não apenas para os Correios —da mesma forma que ocorreu no setor das telecomunicações—, incentivando a concorrência e garantindo o acesso aos serviços postais a todos os brasileiros.
Sem os investimentos necessários pelos Correios, o prazo de entrega de mercadorias tende a piorar: em alguns locais, o tempo médio de entrega já é de 14 dias. Além disso, a modernização tende a gerar empregos, permitindo maior integração de pequenos e médios negócios ao ecommerce. Os investimentos privados vão garantir serviços mais modernos, rápidos e acessíveis para todos os brasileiros.
Especialistas divergem sobre a melhor opção para as estatais brasileiras alcançarem amodernidade
Para Alessandro Octaviani, ao defender a privatização, o governo brasileiro está fazendo o contrário do que ocorre nos países capitalistas do mundo contemporâneo, enquanto Sérgio Sakurai indaga se as empresas estatais desempenham bem seu papel de fornecer serviço ou produtos à população
Jornal da USP
03/09/2021
Dados do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais do Ministério do Planejamento mostram que 41 empresas estatais foram privatizadas no Brasil desde 1990, e os números não param por aí. Eletrobrás e os Correios estão em processo de privatização pelo governo. Mas essa é uma discussão que envolve várias questões, desde os benefícios para a população até as contas públicas e especialistas divergem sobre os benefícios das privatizações.
Segundo Alessandro Octaviani, professor do Departamento de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito (FD) da USP, o Brasil está na contramão do que vem sendo realizado nos estados capitalistas do mundo contemporâneo. Já o professor Sérgio Sakurai, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, argumenta que “é preciso analisar se as empresas estatais desempenham bem seu papel de fornecer serviço ou produtos à população. Ao se propor uma privatização é fundamental ver se o país está bem servido.”
“Essa conversa de que as privatizações das empresas estatais brasileiras vão nos levar à modernidade, mais perto daquilo que é a vanguarda do capitalismo contemporâneo, é uma mentira, não se sustenta em nenhum fato, em nenhuma pesquisa empírica, ela é simplesmente uma falácia ideológica”, diz Octaviani . O professor lembra que, na Europa, a Alemanha possui cerca de 15 mil empresas estatais e que está passando por um processo em diversos setores de reestatização, afastando as empresas privadas que ofereciam serviços muito ruins.
Ouça no player entrevista do professor Alessandro Octaviani ao Jornal da USP no Ar: https://jornal.usp.br/atualidades/especialistas-discutem-qual-a-melhor-opcao-para-as-estatais-brasileiras-alcancarem-a-modernidade/
Octaviani também contou que, “no Japão, das 600 empresas listadas em Bolsa, 400 têm participação direta do Estado japonês. Já na China existem cerca de 150 mil sociedades empresárias estatais e o país contribui na lista da Forbes – das 500 maiores empresas do mundo, 50 são estatais chinesas. Nos Estados Unidos, os números e mapeamentos apontam a existência entre seis a sete mil estatais, sem contar as municipais.
A justificativa apresentada pelo Brasil para privatizar as estatais não se fundamenta e serve para pequenos interesses e investidores, diz o professor Octaviani. “O que nós temos é um discurso, via de regra falacioso, que afirma que vai vender as estatais para abater a dívida pública, só que a dívida pública, na verdade, o grande fator de impulsionamento e de engrandecimento, é a política de juros, ou a política fiscal muito descontrolada, prioritariamente pelo pagamento de juros que foram praticados desde o governo Fernando Henrique, com alguma modificação, mas basicamente sendo a mesma política até agora. É uma falácia afirmar que as estatais, sendo vendidas, diminuem a nossa dívida, porque isso tem uma série histórica de quase três décadas para apontar que é mentira”.
Privatização e concessão
O professor Sakurai diz que a comparação entre países de processos de privatização de estatais ou até mesmo de reestatização de empresas já privatizadas é inadequada, porque precisam ser consideradas características de cada país, como população, extensão territorial e marcos regulatórios, entre outros. “O ideal é buscar exemplos dentro do próprio país, como a privatização da telefonia no Brasil, em 1998, que quebrou o monopólio do Estado e permitiu que mais pessoas tivessem acesso às linhas telefônicas. E, ainda, “não confundir privatização com concessão”, defende o professor.
Ouça no player entrevista do professor Sérgio Sakurai: https://jornal.usp.br/atualidades/especialistas-discutem-qual-a-melhor-opcao-para-as-estatais-brasileiras-alcancarem-a-modernidade/
Sakurai lembra que as linhas telefônicas naquela época eram um ativo que as pessoas declaravam no Imposto de Renda. “Uma linha telefônica chegava a custar US$ 5 mil e as pessoas ficavam em lista de espera de até cinco anos para conseguir a sua”, afirma. Com a privatização, várias empresas entraram nesse mercado e a oferta de telefones aumentou substancialmente. “Em 1998, o Brasil tinha 17 milhões de linhas telefônicas fixas e 4,6 milhões linhas de telefone celular. Hoje são 40 milhões de linhas fixas e 230 milhões de telefonia celular”. Além do preço ser mais acessível que no final do século passado.
Outra questão levantada pelo professor Sakurai se refere ao papel das empresas e cita a necessidade de analisar o desempenho das empresas estatais em fornecer serviço ou produtos à população. “É o caso do Marco Legal do Saneamento. Grande parte da população brasileira não tem acesso a tratamento de esgoto”, analisa. “O Estado reconheceu sua incapacidade para fornecer coleta e tratamento de esgoto a toda a população brasileira e aprovou o Marco Legal, que permite a participação da iniciativa privada nessa prestação de serviço.”
Privatização na Europa
Embora alguns países da Europa estejam passando por uma onda de estatização, o aparato regulatório e a estabilidade política e econômica permitem certas tomadas de decisão. Na Europa, a maioria dos países tem acesso universal ao saneamento básico, por exemplo, o que não ocorre no Brasil.
Na experiência alemã, há um caso curioso em Berlin, cita Sakurai. “Um plebiscito foi feito para saber se a população queria a reestatização de uma empresa. Cerca de 80% das pessoas que responderam ao plebiscito optaram pela reestatização. Mas esse resultado foi desconsiderado, porque apenas 25% da população votou. Ficou caracterizado o desinteresse da população pelo assunto. O ideal seria que todos tivessem participado, o resultado seria representativo ou que o plebiscito tivesse sido feito com pessoas da cidade que fossem sorteadas aleatoriamente, minimizando a chance de um resultado potencialmente enviesado. Por outro lado, ocorreu também que muitas empresas na Europa tiveram suas concessões encerradas e voltaram a ser geridas pelo Estado.
Por: Simone Lemos e Ferraz Junior
Direção Nacional da ADCAP.