Governo quer descobrir como privatizar o serviço postal dos Correios
“Privatização dos Correios é bem mais complexa do que parece e vários modelos
de venda da estatal são analisados pelo governo. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil”
Gazeta do Povo
06/01/2020
O governo estuda como privatizar o serviço postal, prestado pelos Correios, uma das principais estatais na lista para uma possível venda.
Foi autorizada a contratação de pareceres para avaliar a regulação e legislação do setor, as condições de mercado e experiências internacionais e a necessidade de atendimento universal do serviço postal. Os estudos estão sendo feitos pelo BNDES e as conclusões serão avaliadas por um comitê interministerial, formado, entre outros, pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e pelos ministérios da Economia e da Ciência, Tecnologia e Comunicações.
O grande imbróglio a ser resolvido é o fato de a Constituição prever, no seu artigo 21, que compete somente à União manter a prestação do serviço postal e de correio aéreo nacional. E a Lei N.º 6.538, de 1978, regula como essa prestação do serviço postal será feita: por meio de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações – no caso, os Correios, que deve seguir uma série de regras contidas na legislação. Por m, a Lei n.º 12.490, de 2011, moderniza algumas das funções do Correios previstas na lei anterior.
A necessidade de mexer na Constituição para privatizar os Correios
Como o serviço postal está previsto na Constituição, a privatização total dos Correios precisa ser feita por uma proposta de emenda constitucional (PEC), armam dois especialistas em telecomunicações consultados pela Gazeta do Povo.
Essa PEC precisaria excluir da Constituição o trecho que prevê a competência exclusiva da União para prestar o serviço postal e de correio aéreo. Também tem de deixar claro que esses serviços podem ser explorados por empresas privadas, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão – como já acontece com aeroportos, portos e ferrovias, por exemplo.
“Os Correios exercem uma função constitucional [o serviço postal]. Para você privatizar, tem que mudar a Constituição. No artigo 21 diz que compete à União o serviço postal. E como a União faz isso? Através dos Correios” , explica Marcos César, vice-presidente da Associação dos Prossionais dos Correios (Adcap). Ele é servidor aposentado dos Correios e já foi membro do conselho de administração da empresa.
Um consultor legislativo da Câmara dos Deputados acrescenta que, na Constituição, não existe nenhuma menção de que o serviço postal e o correio “aéreo nacional possam ser feitos por empresa privada, por meio de concessão, autorização ou permissão. “Em tese, é o tipo de atividade que teria que ser feito diretamente pela União”, diz esse consultor, ao falar reservadamente com a Gazeta do Povo.”
Mas parte da equipe econômica quer tentar fazer a privatização dos Correios por projeto de lei, modicando apenas as leis 6.538, de 1978, e 12.490, de 2011. Eles querem evitar a necessidade de enviar para o Congresso uma PEC quebrando o monopólio da estatal no serviço postal. As propostas de emenda à Constituição têm tramitação mais longa e precisam ser aprovadas por três quinto dos parlamentares. Outros projetos precisam apenas de maioria simples ou absoluta.
Correios dividido em dois é opção para fugir de PEC
Para evitar uma PEC, dizem os especialistas consultados pela Gazeta do Povo, o governo teria de separar o Correios em duas empresas: uma que continuaria responsável pelo setor postal, correio aéreo nacional e encomendas simples, e outra pelo Sedex, pelo serviço de malote e pelo Banco Postal, que não são previstos na Constituição. Assim, o governo poderia propor a privatização somente da parte dos Correios que cuida do Sedex e do malote, mantendo o resto dos serviços na estatal.
“Essa alternativa, contudo, pode não ser viável economicamente, avalia Marcos César, da Associação dos Profissionais dos Correios. Ele diz que o serviço postal não consegue pagar sozinho toda a infraestrutura que os Correios têm para manter o serviço em todo o Brasil. Segundo César, hoje os Correios conseguem bancar o serviço postal sem onerar o consumidor porque agregaram outros serviços que podem ser prestados pela mesma infraestrutura, reduzindo os custos como um todo.”
“O correio brasileiro conseguiu uma forma de sucesso aqui quando ele juntou o serviço postal com o serviço de encomendas e com o serviço de banco postal. Você leva não só as cartas, mas leva também as encomendas. Isso é feito junto pelo mesmo carteiro. Em alguns lugares ainda menores, é o mesmo que atende na agência: de manhã ele entrega e à tarde ele fica na agência. Se você separar, como você vai fazer nessas cidades? Não tem como separar isso de forma simples e sem ser oneroso”, explica.”
“Procurado, o Ministério da Economia informou à Gazeta do Povo que “no atual estágio de avaliação, há cenários possíveis [para privatização dos Correios] tanto em projeto de lei como em proposta de emenda à Constituição”. “Os estudos vão indicar o caminho com maiores chances de sucesso”, diz a nota.
O Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) já autorizou a contratação de estudos por parte do BNDES, que tem até 180 dias para entregar os pareceres ao comitê interministerial.”
“Uma PEC propondo acabar com a titularidade da União – e consequentemente dos Correios – na prestação do serviço postal chegou a ser protocolada pelo deputado General Peternelli (PSL-SP). Se tivesse sido aprovada, permitiria que o serviço postal pudesse ser prestado por empresas privadas via concessão ou autorização, e deixaria o caminho do governo livre para propor a privatização da estatal por meio de projeto de lei. A PEC, porém, acabou não tramitando, pois teve várias assinaturas retiradas após a sua apresentação.”
“Marco regulatório”
Caso o governo decida fazer a privatização dos Correios por inteiro – ou seja, incluindo o serviço postal –, terá de propor e aprovar uma PEC e também mudar as legislações que tratam da função da estatal. Mas o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Marcos César, diz que, além de tudo isso, o governo precisaria fazer um marco regulatório para o setor.
“O marco regulatório é imprescindível. Você não pode pensar em mexer em uma infraestrutura nacional com é o serviço postal, que está no Brasil inteiro funcionando, sem ter um arcabouço regulatório todo montado, estruturado”, afirma. Seria, em linhas gerias, um processo parecido com o feito na privatização da Telebras, em 1998, quando o governo modificou a legislação, criou a regulação e também uma agência reguladora para fiscalização.”
“O consultor legislativo da Câmara especialista em telecomunicações consultado pela Gazeta do Povo não acredita que seja necessário fazer um marco regulatório do setor postal, o que seria mais complexo e demandaria mais tempo. Mas reafirma que é preciso mudar a Constituição, se for privatizar o setor postal, e, através de lei complementares, estabelecer como funcionará a prestação do serviço por empresas privadas.
“O ideal é que isso seja bem feito para que não haja qualquer tipo de insegurança dos agentes da economia que dependem dos Correios e para que não haja algum tipo de situação que uma empresa adquira o controle dos Correios e passe a ter um controle vertical do serviço postal e de encomendas”, explicou.”
“Procurado para saber se está no radar do governo a criação de um marco regulatório do setor, o Ministério da Economia respondeu que, em relação aos estudos em desenvolvimento no BNDES, “há um escopo amplo, contemplando condições regulatórias, modelos de negócio para companhia e para o setor, usando como referência os modelos internacionais explorados até hoje, assim como projeções do setor no futuro.””
Direção Nacional da ADCAP.