Riscos econômicos da privatização dos Correios
Revista Ind. Brasileira
01/10/2020
A Revolução Industrial Brasileira decidiu entrar no debate sobre os Correios. E a razão é simples de entender: uma base logística consistente e funcional é condição necessária para um processo de desenvolvimento de qualquer país. Mas em se tratando de um país continental, ainda mais.
Por isso, entrevistamos Marcos Cesar Alves da Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios, para dar ao público o famoso “outro lado”. Isto porque, procurando nos jornais, TVs e sites de informação, o que se vê hoje é uma cobertura desequilibrada a respeito dos Correios, que cola na empresa uma marca negativa para justificar sua privatização.
E o “outro lado” da discussão é surpreendente. Ao contrário do que se diz, os Correios não custam um centavo ao Tesouro Nacional, dão lucro e têm um plano para se tornar uma mega corporação de logística integrada internacional. Tal como Fedex e DHL, as empresas que são frequentemente usadas como exemplo do que os Correios não conseguem ser.
A reportagem abaixo explica como e por que os Correios do Brasil não apenas já são uma empresa bem-sucedida como têm potencial para ser muito maior.
Mitos, inverdades e omissões
A propaganda favorável à privatização dos Correios pinta a imagem de uma empresa cronicamente deficitária e ineficiente. Mas, ao contrário disto, os Correios são tradicionalmente rentáveis. Mas em que se baseiam essas acusações?
Segundo Marcos Cesar, até 2010 os Correios davam em média R$ 1 bilhão de lucro todos os anos. Porém, uma sequência de três fatores inverteu os resultados, e nenhum deles é oriundo de má gestão.
“A partir de 2010, o governo começou a retirar dividendos muito acima do lucro anual da própria empresa, enxugou o caixa da empresa. A empresa chegou a ter R$ 7 bilhões no caixa. Isso ia ser usado no seu plano de desenvolvimento, mas o governo não deixou fazer ainda levou o dinheiro embora. Em seguida, entre 2012 e 2013 por razões eleitorais o governo segurou o reajuste das tarifas postais, e nós perdemos mais ou menos R$ 1,2 bilhão em receitas. O terceiro fator foi uma mudança na contabilidade que passou a pré-contabilizar verbas pós emprego como previdência, plano de saúde continuado e outras. São despesas em que a empresa incorre apenas na aposentadoria do funcionário. Mas tiveram que ser lançadas todas de uma vez no balanço da empresa a partir de 2013. É como se tivesse que calcular o valor de todos os aluguéis que você vai pagar até o fim da sua vida e colocar na declaração de IR de um único ano. Você quebra”, diz Marcos Cesar.
A mudança nas regras de contabilidade, que anteciparam despesas futuras, foi mortal para os Correios, segundo o funcionário. Mas o governo de então não quis tomar atitudes que poderiam ter atenuado o prejuízo. “O governo na época não fez nada para atenuar o efeito disso nas estatais. Eles poderiam ter diferido isso no tempo, ou poderiam ter constituído um fundo com títulos públicos e as empresas iriam pagando isso”, afirma.
E prossegue: “Esses três fatores inverteram o resultado dos Correios. Por isso, a empresa passou dois anos com prejuízos bilionários. E depois, isso foi sendo diminuído com uma série de medidas de austeridade na empresa, principalmente na remuneração dos funcionários. E nestes três últimos anos a empresa deu mais de R$ 800 milhões de lucro. E no primeiro semestre de 2020, a empresa já deu mais de R$ 600 milhões de lucro”.
Potencial inexplorado
Talvez, pior do que o esvaziamento proposital do valor da empresa, seja ter deixado de explorar os potenciais que os Correios têm pela frente desde quando, em 2011, foi promulgada a Lei 12.490.
Esta lei é fruto de um grupo de trabalho no governo federal que propôs uma visão estratégica para o futuro dos Correios. “Essa lei traz uma ampliação do objeto social da empresa que permite que os Correios atuem com logística integrada, serviços de comunicação digital, atue no exterior e que constitua coligadas, ou seja, empresas montadas em parceria com a iniciativa privada”, conta Marcos Cesar.
Segundo ele, os Correios podem, há quase dez anos, se tornar uma corporação continental de logística integrada.
“Em logística integrada, especificamente, os Correios têm uma grande pista de desenvolvimento para organizar toda a cadeia logística. E ele não precisa fazer isso organicamente: basta a empresa construir uma lógica de parcerias e desenvolver com várias empresas que são donas de armazéns, tecnologias de controle e infraestrutura. E pronto, teríamos um sistema nacional de logística. Isso vale também para as exportações. Os correios têm o Exporta Fácil e o Importa Fácil. Imagine o potencial que seria a empresa montar um grande marketplace com empresas privadas voltado para a exportação e para a importação. Isso não existe, só temos hoje marketplaces voltados para atender o mercado interno. E a empresa já tem o serviço e a logística para isso”, diz.
Se hoje, funcionando apenas com monopólio em serviços postais (cartas, telegramas e cartão postal) e com a liderança no mercado de encomendas de até 30 kg (44% de participação num mercado já aberto à concorrência), os Correios conseguem dar lucro, sua transformação em empresa de logística internacional poderia multiplicar os ganhos para toda a economia.
Empresas similares são donas, por exemplo, de frotas de avião. A alemã DHL é dona de cinco empresas aéreas que operam mais de 250 aviões. Que sinergia não seria possível no futuro entre os Correios e a Embraer, abrindo para o Brasil uma potencialidade de serviço industrial e logístico de escala mundial?
Comércio eletrônico
Finalmente, Marcos Cesar comenta que a possível privatização dos correios acertaria em cheio o sonho empreendedor de muitos brasileiros, principalmente aqueles que veem no comércio eletrônico a chance do sustento após a perda quase sempre irrecuperável do emprego formal.
“No comércio eletrônico, hoje a situação é extremamente confortável para as empresas e a população. Você tem condição de comprar em qualquer município do país pelos Correios. Em cerca de 500 municípios existem alternativas de qualidade para o transporte de mercadorias. Nos demais, os Correios são a única opção. Nos cerca de 5.570 municípios do país, quase todos enviam e recebem suas mercadorias pelos Correios. Segundo ponto é a questão do preço. Por sua escala e por sua natureza de empresa pública, o preço dos Correios é muito competitivo”, diz Marcos Cesar.
Além disso, ele afirma que o sistema de integração do e-commerce brasileiro está todo parametrizado para trabalhar com os Correios. Ele conta que seu filho opera um e-commerce e que já testou operadores privados sem o mesmo sucesso. “Vira e mexe tomávamos prejuízo no frete porque o cálculo de peso deles dizia uma coisa diferente da nossa. Isso nunca aconteceu com os Correios”, afirma.
A conjunção de uma tarifa módica e conhecida, um sistema de rastreamento eficiente e o alcance do território nacional completo faz dos Correios a opção de escolha até mesmo para seus concorrentes. “Todos os grandes concorrentes usam os Correios. Fedex e DHL são grandes clientes dos Correios. Eles usam os serviços dos Correios para chegar em lugares remotos do Brasil. Isso tem algum problema? Não. É um ganho de eficiência, ele oferece um serviço melhor e os Correios, que já têm a escala, conseguem levar a encomenda deles sem problemas”.
Assim, o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios alerta tanto para os riscos operacionais à economia brasileira quanto para os riscos ao próprio serviço postal, com uma eventual privatização dos Correios. Em Portugal, por exemplo, a população está reivindicando a reestatização do correio do país, depois que o preço subiu e o serviço diminuiu.
“O pessoal do Ministério da Economia, marotamente, fala dos resultados da empresa a partir de 2014 e 2015, que foram os anos em que tivemos déficit em função daqueles problemas. Mas se pegar os últimos dez anos, a empresa recolheu R$ 6 bilhões em dividendos ao Tesouro e mesmo assim registrou lucro de meio bilhão de reais no período”, afirma. Ao aplicar a lógica imediatista e esconder informações, Marcos Cesar diz que o plano privatista coloca em risco todo um ecossistema empresarial que inclui cerca de 1 mil franqueados que administram agências, transportadoras privadas que entregam encomendas e certamente boa parte do comércio eletrônico brasileiro.
Direção Nacional da ADCAP.