O ESTADO DE S. PAULO
22/6/2014
Sob suspeita. Perda corresponde a 5% do patrimônio de um dos planos do Postalis e seria causada, como admitiu o fundo na Justiça, por investimentos no exterior realizados por empresa acusada de fraudes; entre as aplicações, aparecem títulos da dívida da Argentina e da Venezuela Josette Goulart.
O fundo de pensão dos funcionários dos Correios (Postalis) diz na Justiça que pode perder integralmente os R$ 371 milhões em aplicações que fez entre os anos de 2006 e 2008 em fundo de investimentos no exterior. Chamado Sovereign, o fundo era gerido pela Atlântica – empresa acusada de fraudes e de ter investido dinheiro do fundo em títulos de baixa qualidade de crédito.
O processo foi aberto no fim de 2013 pelo Postalis contra a gestora brasileira de recursos Atlântica, que não tem mais registro na CVM, e contra seu então diretor geral Fabrizio Dulcetti Neves. Trata-se de um processo judicial que corre na justiça paulista e tem o único objetivo de interromper a prescrição do caso.
“Não temos a comprovação do prejuízo”, disse o Postalis em nota. A decisão de pedir ressarcimento por perda de capital ainda não foi tomada porque a fundação negocia um acordo com o administrador do fundo Sovereign, o BNY Mellon.
A perda de R$ 371 milhões representa mais de 5% do patrimônio do plano Benefício Definido da Postalis e não há provisões para ela. Isso significa que o prejuízo pode parar direto nas contas de 80 mil contribuintes que depositam sua poupança para aposentadoria neste plano.
O tamanho do buraco é desconhecido e esta é a primeira vez que, em um documento oficial, o fundo admite a perda total do que foi aplicado, ou de boa parte dele – sem contar o rendimento que poderia ter obtido em cinco anos. Só a correção da inflação faria o valor chegar a quase R$ 500 milhões. “Foram praticadas fraudes e operações contrárias ao regulamento do fundo que podem resultar em perdas de grande parte ou de todo o capital investido”, diz o fundo no processo judicial.
Segundo as regras de mercado, os fundos de investimentos têm um gestor e um administrador. Uma das funções do administrador – neste caso, o BNY Mellon – é analisar as aplicações do gestor, verificando se o regulamento do fundo está sendo seguido. Com base no papel do administrador, o conselho quer que o Postalis processe judicialmente o BNY Mellon. “Mas a diretoria (do Postalis) diz que está tentando um acordo com ele para evitar a Justiça”, afirma o representante dos funcionários no conselho do Postalis, José Rivaldo da Silva.
A perda do capital poderia se dar pelo fato de que a Atlântica trocou os títulos da dívida externa brasileira que estavam no fundo por outros investimentos que não estavam programados. De acordo com o processo, todo o dinheiro teria sido aplicado em ativos privados sem o consentimento do Postalis.
O conselheiro diz que o fundo está aplicado em títulos da dívida da Argentina e da Venezuela. “Li outro dia que a Argentina não tem como pagar sua dívida. Já pedimos para o administrador informar se esses títulos valem alguma coisa, mas ainda não recebemos resposta.” Até agora, contabilmente, nenhuma perda foi registrada no Postalis. Pelo contrário. Apesar de admitir em um processo judcial que pode perder tudo, o balanço de 2013 mostra que o fundo administrado pelo Mellon teve rendimento no ano passado: saiu de um patrimônio de R$ 348 milhões para R$ 390 milhões. Mas de acordo com o relatório anual divulgado no site da Postalis, esse número não foi validado pela auditoria.
O Postalis explicou, por meio de nota, que isso aconteceu porque a auditoria do fundo Sovereign administrado pelo BNY Mellon é diferente da auditoria do Postalis. Segundo o Postalis, os prazos de auditoria não coincidiram. O BNY Mellon não explicou o aumento do patrimônio e disse que não pode comentar assuntos específicos de clientes. O Postalis é um grande cliente do Mellon, que administra em torno de R$ 2,4bilhões da fundação.
Fraudes. Até essa admissão pública de que pode perder tudo, as perdas do Postalis no caso Atlântica pareciam se limitar a taxas de corretagem elevadas pagas para o gestor do fundo, em tomo de US$ 16 milhões. Os indícios de fraudes e as suspeitas sobre os valores da corretagem surgiram há alguns anos, depois que órgãos reguladores americanos começaram a investigar os fundos da Atlântica. Avisada por órgãos americanos, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu sua investigação em 2010. Em maio deste ano, a licença de administrador de recursos de Fabrizio foi cassada. A CVM não deu mais informações sobre os processos. A Atlântica e Neves não foram encontrados.