Valor
02/06/2014
O grupo que pretende criar uma bolsa de valores concorrente à BM&FBovespa está em busca de mais R$ 445 milhões para o projeto, que até o momento não saiu do papel. Entre emissões de debêntures e de cotas de um fundo de participações, e sem contar a operação em curso, a estimativa é que a empresa já tenha captado quase R$ 400 milhões de investidores, a maior parte de fundos de pensão.
O projeto da ATS Brasil, nome da nova bolsa, é liderado pelos investidores Arthur Pinheiro Machado, Martin Cohen e Francisco Gurgel do Amaral Valente. Eles controlam a Americas Trading Group (ATG), que detém 80% do negócio. Os outros 20% são da Nyse Tecnologies, do grupo da bolsa de Nova York.
Antes da ATG, os executivos atuavam na corretora Ágora, vendida para o Bradesco em 2007. O negócio originalmente nasceu como uma plataforma de negociação eletrônica com acesso a várias bolsas, incluindo a BM&FBovespa, por meio de uma rede de corretoras. Mesmo antes do início das operações da nova bolsa, o FIP apresenta forte valorização e conta hoje com patrimônio de R$ 832 milhões.
Desde o início, quem vem bancando a maior parte dos investimentos para a criação da nova bolsa são fundos de pensão. Com aportes da ordem de R$ 340 milhões, a Postalis, fundação de previdência dos Correios, e a Serpros, fundo dos funcionários do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), são sócios indiretos da ATG por meio do FIP.
As fundações também são as únicas investidoras de debêntures emitidas por empresas ligadas aos executivos da ATG. Em 2012, eles levantaram R$ 72 milhões vendendo os papéis ao Postalis. Na nova oferta, de R$ 445 milhões e que está em andamento, a empresa já captou pelo menos R$ 50 milhões da Serpros, apurou o Valor.
As debêntures contam com prazo de 15 anos, com pagamento do principal apenas no vencimento, características pouco usuais no mercado brasileiro, que possuem prazos médios mais curtos e pagamentos de amortizações durante a vigência dos papéis. Além do prazo longo, os investidores só começarão a receber juros após um período de carência de três anos. A captação com as debêntures está sendo realizada com a regra de “esforços restritos”, que dispensa análise prévia na CVM.
A empresa informou que pretende usar parte dos recursos captados com a nova emissão de debêntures para capitalizar a ATS e no projeto de criação de uma câmara de compensação, também conhecida como “clearing”, responsável por garantir os negócios realizados em uma bolsa caso uma das partes não honre o compromisso.
A clearing é apontada como a principal barreira de entrada de novas bolsas no Brasil. A única câmara de compensação e custódia de ações no Brasil pertence à BM&FBovespa, que se recusou a abri-la a terceiros antes da conclusão da unificação de suas clearings, prevista para o ano que vem.
A emissão de debêntures da empresa dos sócios da ATG não é coordenada por nenhum banco, como é de praxe no mercado, mas sim pela corretora Gradual. A operação obteve classificação de risco ‘A+’ (risco baixo) da LF Rating.
A agência foi a mesma que avaliou a primeira emissão de empresa dos sócios da ATG, que teve características semelhantes. Parte dos recursos da nova oferta também deve ser usada para resgatar os papéis emitidos no fim de 2012, que estão com o fundo de pensão dos Correios. O Postalis fechou o ano passado com um déficit de quase R$ 1 bilhão.
A ATS Brasil pediu autorização para operar como bolsa em agosto do ano passado, mas a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda não começou a avaliar o pedido. De acordo com a autarquia, o prazo de análise da área técnica só começa após o protocolo de todos os documentos necessários.
Questionada se a empresa pode manter o pedido indefinidamente em aberto, a autarquia informou que “nas condições atuais, não há um prazo determinado para o desfecho do procedimento”. “A despeito de a ATS não ter entregue, até o momento, toda a documentação exigida, o processo permanece aberto e a ATS vem interagindo com a CVM no que diz respeito ao assunto”, diz o regulador, em nota.
Procurada pela reportagem, a empresa não comentou a emissão de debêntures em andamento. Sobre o projeto da nova bolsa, a ATS entende que não existe nenhuma pendência de documentos para o pedido de registro na CVM, salvo o contrato de acordo com a clearing que prestará os serviços de compensação e de liquidação da nova bolsa, “o qual já está em fase final de elaboração”.
Sobre o prazo para o início das operações da nova bolsa, a ATS informou que trabalha com o cenário favorável, de que será possível obter a autorização de funcionamento neste ano. Questionada sobre a participação no projeto, a Nyse informou que não comentaria o assunto. A corretora Gradual, coordenadora da emissão de debêntures, também não comentou.
Em nota, a Serpros afirmou que o investimento no fundo de participações que aplica no projeto da nova bolsa foi realizado “de acordo com a política de investimentos, obedecendo a todas as diretrizes e exigências determinadas”. Sobre as debêntures, a fundação informou que não comentaria o assunto, depois de ter, inicialmente, negado o investimento.