Zero Hora
04/05/2014
Mais de um mês depois do fim da greve dos Correios, usuários do serviço no Estado seguem reclamando da demora na entrega de correspondências. Incomoda também a justificativa dada pela empresa, que diz considerar aceitáveis os atrasos.
Quem tem o comércio eletrônico como negócio está entre os que mais contabilizam os maiores danos. Fernando Campello, que trabalha com restauração de livros, conta com o serviço para receber encomendas raras do Exterior e também para enviar o produto pronto para os clientes, espalhados pelo Brasil.
O livreiro estima que 2 mil mercadorias estejam paradas e prejuízo de pelo menos R$ 350 mil. Com atrasos nas entregas desde dezembro, o livreiro passa por uma situação um tanto inusitada.
Por meio do localizador — sistema de rastreamento pago à parte —, sabe que os produtos chegaram a Porto Alegre. Mas quando vai à central de distribuição da Capital buscar as mercadorias (que deveria receber em casa), não as encontra. A estatal alega atrasos devido à greve. O prazo estimado pela companhia para a normalização das entregas era 28 de março.
Além de ficar sem trabalhar, Fernando Campello precisa pagar a multa pela demora na entrega dos livros que restaura. Um dos clientes que cobra a mora é a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz).
— Tenho de pagar para uma empresa pública por causa do problema gerado pela ineficiência de outra estatal. Mas o dano maior é com a imagem da minha empresa. Perdi clientes e já não tenho mais cara para justificar uma demora que não é minha — reclama.
No amontoado de papéis na mesa do escritório, o livreiro tem impresso localizadores de produtos remetidos em dezembro, janeiro e fevereiro, período anterior à greve. Órgãos de defesa do consumidor conseguem fazer intermediação em caso pontuais. Quando há busca por ressarcimentos, a Justiça passa a ser caminho inevitável.
— A lei não prevê prazo para normalização do serviço após o fim de uma greve. Um tempo razoável é 30 dias, mais do que isso passa a ser um atraso sem justificativa — explica Flávia do Canto Pereira, coordenadora do Procon da Capital.
Sindicato calcula que faltam 8 mil carteiros
Culpar a recente greve dos funcionários dos Correios pela demora na entrega de correspondência e mercadorias é uma maneira de jogar o problema para debaixo do tapete, diz Vitor Rittimann, secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do RS.
Segundo estimativa da entidade, precisariam ser contratados 8 mil carteiros no Rio Grande do Sul para que as correspondências fossem entregues no prazo. No Brasil, o déficit chegaria a 40 mil trabalhadores.
— A verdade é que mesmo quando não há interrupção, a entrega não funciona efetivamente. Com menos profissionais do que o necessário, não é possível dar conta da demanda. Ao afirmar que o serviço está normalizado, a empresa joga toda a responsabilidade para cima do carteiro. A população passa a achar que é o entregador que é desleixado. Recebemos denúncias de casos de agressão, inclusive — conta.
O analista de sistemas Luís Antônio de Melo espera há dois meses por dois CDs e um livro que comprou pela internet. Já está sem esperança de receber as mercadorias. Durante esse tempo, entrou em contato diversas vezes com a central de atendimento e a ouvidoria dos Correios para comunicar os atrasos. Sem resposta, procurou o Ministério das Comunicações. Outra vez, ficou falando sozinho.
— Tratam o problema como se fosse a coisa mais comum do mundo. Ninguém dá a mínima bola — desabafa.
A falta de diálogo também é criticada por Renata Scopel, de Esteio. Depois de esperar meses por produtos vindos da China que nunca chegaram, a industriária diz ter perdido a confiança nos Correios.
— Já foram modelo de excelência, agora nem o telefone eles atendem — lamenta.
Procurada, a estatal não se manifestou sobre o assunto.
Como ficou a greve?
— Funcionários dos Correios entraram em greve no dia 29 de janeiro com a justificativa de que estatal não cumpria as cláusulas de assistência médica, hospitalar e odontológica. Segundo estimativa dos Correios, a adesão chegou a 4 mil dos 125 mil trabalhadores.
— No dia 12 de março, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou a paralisação abusiva por considerar que o dissídio não estava sendo descumprido. Os grevistas foram forçados a voltar à ativa dois dias depois. Ficou decidido que 15 dos 42 dias parados seriam descontados e os demais, compensados.
— Conforme balanço sobre estatais federais, os Correios investiram R$ 54,3 milhões no primeiro bimestre do ano, aumento de 76,3% em comparação ao mesmo período de 2013.