Com salários achatados, carteiros contam com os benefícios para complementar renda
Marcio Allemand (marcio.allemand@adcap.org.br)
BRASÍLIA – A história que vocês vão ler agora é a história verídica de dois carteiros, mas poderia muito bem ser a história de qualquer trabalhador brasileiro. De origem humilde, nossos personagens, cujos nomes aqui são fictícios para evitar problemas e retaliações por parte da empresa, têm trajetórias bem parecidas. Ambos entraram para os Correios muito jovens e são gratos à empresa por ter-lhes proporcionado uma vida com dignidade. Tanto Carlos, que é carteiro em São Luís do Maranhão, e Antônio, que é carteiro em São Paulo, são casados, têm filhos e sustentam suas famílias com o salário que recebem no final do mês.
Carlos tem mais de 30 anos de trabalho dedicados aos Correios. Começou cedo, com 22 anos de idade, foi seu primeiro emprego com carteira assinada. Seu salário-base não chega a três mil reais, mas mesmo assim ele conseguiu criar seus filhos e comprar sua casinha própria num bairro da periferia de São Luís. Agora, às vésperas de se aposentar e com o risco de perder os benefícios conquistados com muita luta durante anos, Carlos não sabe o que vai fazer, já que de acordo com a nova legislação trabalhista, o valor da sua aposentadoria não deverá ser muito maior que o valor do seu salário-base.
– Pelos meus cálculos, se a empresa cumprir o que estão dizendo por aí em relação aos nossos benefícios, meus rendimentos vão cair cerca de 40%. Tenho quatro filhos que dependem de mim. Ainda continuo pagando o plano de saúde, mesmo com o corte que houve recentemente, mas se de fato houver mais cortes no plano de saúde, eu não terei mais condições de pagar. A qualidade da alimentação dos meus filhos vai cair também, pois querem diminuir o valor do nosso auxílio-alimentação que eu uso para colocar comida dentro de casa.
Ele conta ainda que, se os cortes acontecerem mesmo, terá de deixar de pagar não só o plano de saúde, mas o Postalis e o seguro de vida também. Carlos diz que os benefícios eram o que atraíam os trabalhadores dos Correios, que sempre tiveram salários baixos. De todas as estatais, os Correios são os que, em média, pagam os salários mais baixos.
– Foram conquistas e lutas que a própria empresa aceitava porque tinham ciência dos baixos salários dos carteiros. Tem muita história por trás desses benefícios. Eles não nos foram dados por bondade, muito pelo contrário. O nosso adicional de distribuição e coleta, por exemplo, era para ser o adicional de periculosidade, mas o presidente da república na época vetou, mesmo tendo sido aprovado por unanimidade no Congresso. Só que a empresa, num ato de justiça, manteve o benefício porque sabia o risco que os carteiros corriam trabalhando nas ruas. Agora, então, com esse aumento da violência em todo o país, muitas vezes nós colocamos nossas vidas em risco para entregar as correspondências.
Carlos hoje tem saudades de um tempo em que os carteiros eram quase que amigos confidentes dos moradores e da boa relação com as famílias dos bairros. Ele conta que era muito comum as pessoas abrirem as portas das suas casas e convidarem os carteiros para almoçar.
– Até hoje somos bem tratados pela população, mesmo com a empresa fazendo de tudo para estragar nossa imagem. A verdade é que hoje em dia é a empresa que não nos trata bem. Fico triste com o que pode acontecer com o futuro dos Correios, desabafa o maranhense.
Saindo do Maranhão e indo para São Paulo, a realidade de Antônio não é diferente. Há quinze anos na empresa, também seu primeiro emprego com carteira assinada, o filho de retirantes nordestinos criado na Zona Norte paulistana, num bairro sem asfalto, sem saneamento básico, tem muito orgulho da sua profissão. Ele diz que nunca pensou em ser carteiro, mas que um dia, sua mãe, que era empregada doméstica e vendia produtos de beleza para complementar a renda da família, chegou em casa comentando a respeito do concurso para os Correios.
– Eu tinha acabado o ensino médio, estava com 18 anos. Meus pais sempre fizeram o possível para que eu e meus irmãos estudássemos e tivéssemos condições de melhorar de vida. Estudei, fiz o concurso e poucos meses depois eu estava usando o uniforme dos Correios.
Antônio conta, emocionado, que os Correios foram um divisor de águas na vida dele e que a partir de então ele teve condições de dar estabilidade para a sua família.
– Éramos cinco filhos, quatro netos e dois genros morando na mesma casa. Eu ajudava com as despesas básicas. Meus pais já com uma certa idade, nunca tiveram plano de saúde até então, puderam se cuidar melhor, pois passaram e ter um convênio médico. A nossa alimentação melhorou porque o auxílio fazia toda diferença para nós.
Antônio se diz muito grato aos Correios, pois a empresa proporcionou uma nova estrutura para toda sua família. Hoje, ele é carteiro motorizado e trabalha na parte operacional. Casado, pai de dois filhos, ele agora está bastante preocupado com o seu futuro na empresa.
– Eles querem vender a empresa, entregar tudo para o mercado privado, minando um patrimônio que é do povo, além de maltratarem a nossa classe, tirando todos os nossos benefícios conquistados com o suor do nosso trabalho. Não se trata de privilégios, como andam falando por aí.
Antônio ganha menos de dois mil reais de salário-base. Ele diz que o que compensa é a qualidade de vida que seu trabalho nos Correios pode proporcionar para sua mulher e seus dois filhos.
– É o que ainda me faz ficar na empresa, na verdade. Com meu auxílio-alimentação eu faço compras para o mês todo e dou de comer a meus filhos. O convênio médico, que já foi melhor, ainda me proporciona cuidar da minha saúde e da saúde da minha família. Meus pais, infelizmente, perderam direito ao plano de saúde no último corte. Se houver mais corte de benefícios, não vai fazer mais sentido eu continuar trabalhando na empresa.
Assim como Carlos e Antônio, mais de 53 mil carteiros e mais de 17 mil atendentes estão passando por situação semelhante país afora, inseguros com seu futuro nos Correios, em decorrência de a direção da empresa anunciar que pretende cortar os benefícios dos trabalhadores. Não são pessoas privilegiadas, mas trabalhadores que lutam diariamente para sustentar suas famílias e que, apesar da pequena remuneração recebida, conseguem ser vencedores. São também trabalhadores que não fogem à luta e que, durante a pandemia, continuam entregando cartas e encomendas e recebendo postagens nas agências dos Correios, porque seu serviço foi corretamente classificado como essencial. Não merecem ser penalizados com o brutal corte de rendimentos que a direção da empresa quer lhes impor, usando alegações que não se sustentam, além de serem injustas.