Fundos de pensão de servidores na mira do Ministério da Previdência

Valor
14/10/2013


Por Maíra Magro e Eduardo Campos | De Brasília


Com um patrimônio total de 180 bilhões, os fundos de pensão municipais e estaduais são alvo de fraudes que provocam uma sangria nos recursos destinados à aposentadoria de milhões de brasileiros. Auditorias do Ministério da Previdência identificaram irregularidades em Regimes Próprios de Previdência (RPPS) de 165 prefeituras e três Estados – Tocantins, Roraima e Rio Grande do Norte. Autoridades ainda terão que separar os casos de má gestão ou indícios de crime.


Mas o rombo, ao que tudo indica, é muito maior que o desvio de mais de R$ 60 milhões já descoberto pela Polícia Federal na operação Miqueias, cujas investigações focaram até agora nos fundos de pensão de 15 municípios, em seis Estados. Uma amostra pequena, se comparada ao universo de mais de 2 mil prefeituras que contam com os RPPS, além dos 26 Estados e do Distrito Federal. Quando a Miqueias foi deflagrada, em 19 de setembro, a delegada Andrea Pinho Albuquerque, responsável pelas investigações, declarou que se tratava só da “ponta do iceberg”.


Os fundos de pensão municipais e estaduais foram criados para garantir a aposentadoria de quase 7 milhões de servidores. Metade da carteira bilionária está investida no mercado financeiro ou em ativos como royalties do petróleo e imóveis. Mas com uma gestão falha, esses portfólios despertaram o interesse de fraudadores que se enriquecem às custas de dinheiro público. Entre os problemas estão ausência de controle interno eficiente, falta de capacitação dos gestores, somadas à ingerência política de alguns governos locais e, suspeita-se, até de deputados.


Para se ter uma ideia, um município no interior de São Paulo designou motoristas e copeiros como gestores do seu regime de previdência. Há exemplos de administradores graduados demitidos por se recusar a fazer certas aplicações. “Em muitos casos, percebemos que as decisões de investimento foram tomadas à revelia do conselho gestor”, afirmou Otoni Gonçalves Guimarães, diretor dos Regimes de Previdência do Setor Público do Ministério da Previdência.


As auditorias verificaram uma série de aplicações em fundos de investimento duvidosos, diversos deles com pouco tempo de existência. Outro dado suspeito é que a maioria, ou mesmo o total dos cotistas de alguns fundos, era de RPPS – embora o investimento fosse aberto ao mercado.


Alguns RPPs aplicaram em fundos que tinham investimentos em papéis do banco BVA, mesmo depois de a instituição sofrer intervenção do Banco Central (BC). Ou seja, o gestor comprou a cota de um fundo que já contava com provisões para perdas decorrentes desses títulos problemáticos dentro de sua carteira.


No ManausPrev, regime de previdência da capital do Amazonas, auditado em 2012, os aportes em fundos de investimentos suspeitos passaram de R$ 90 milhões. Segundo auditoria mencionada nas investigações da PF, só com aplicações em fundos com ativos do BVA em carteira, as perdas foram de R$ 35,978 milhões.


Outro caso que chama a atenção é o instituto de previdência de Catalão, no interior de Goiás, que sacou dinheiro de fundos do Banco do Brasil e aplicou mais de R$ 8 milhões em outros veículos de investimento que já amargavam perdas co com papéis do BVA. Também foram verificados aportes em fundos com exposição a ativos do Banco Rural, além de títulos de crédito privado de empresas de fachada e de outras declaradamente insolventes ou à beira da bancarrota.


A identificação de impropriedades no gerenciamento dos fundos de pensão gerou, desde o ano passado, 190 representações do setor de fiscalização da Previdência a órgãos como PF, Ministério Público, tribunais de contas, Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Banco Central, pedindo uma apuração mais detalhada dos casos. Várias apontam indícios de crimes como apropriação indébita (contribuições descontadas, mas não depositadas), improbidade administrativa, falsidade ideológica e uso indevido de recursos.


Na operação Miqueias, a PF lançou luz sobre o funcionamento dessas fraudes, ao identificar uma organização criminosa especializada em lavar dinheiro e desviar recursos de fundos de pensão municipais e estaduais. Há suspeitas de que outros grupos estejam agindo de forma semelhante.


Segundo o inquérito, a suposta organização criminosa era chefiada de Brasília pelo doleiro Fayed Traboulsi e o policial civil aposentado Marcelo Toledo. Eles eram sócios da Invista Investimentos Inteligentes, que se apresentava como agente autônomo sugerindo aplicações aos gestores de RPPS em fundos de investimentos. A Invista, porém, nem CNPJ tinha, muito menos registro junto à CVM.


A organização lançava mão de “pastinhas”, algumas delas modelos, que ofereciam aplicações para prefeitos e gestores de RPPSs, que em alguns casos recebiam em troca de 2% a 3% do percentual investido. Entre as opções oferecidas aos RPPS estavam o Fundo de Investimento Diferencial Renda Fixa Longo Prazo, Adinvest Top Fundo de Investimento Renda Fixa, Patriarca Private Equity FIP, Fundo de Investimento Renda Fixa Elo e Vitória Régia Fundo de Investimento de Renda Fixa Longo Prazo.


Algumas das corretoras e operadores investigados na Miqueias já estiveram envolvidos inclusive em escândalos anteriores, como a CPI dos Correios, que se desdobrou no mensalão. A diferença é que, antes, as fraudes eram feitas com títulos públicos – e agora incorporam dívidas privadas e fundos especialmente criados para fraudar RPPS.


Os RPPs foram criados em 1998 pela Emenda Constitucional 20, que modificou o sistema de previdência no Brasil. Com esses fundos, os servidores são afastados do Regime Geral de Previdência Social (INSS). Mas grande parte dos regimes próprios contabilizam um déficit financeiro e atuarial. É um segmento que cresceu mais rapidamente em menos de uma década, com o patrimônio passando de R$ 19,3 bilhões, em 2004, para a casa dos R$ 180 bilhões.


Na tentativa de buscar equilíbrio financeiro, a lei permitiu uma capitalização dos RPPSs no mercado, com investimentos em renda fixa, variável e imóveis. O Conselho Monetário Nacional (CMN) estipulou regras e limites para cada modalidade de aplicação. É com base nessas regras que a fiscalização da Previdência promove auditorias presenciais e indiretas nos RPPSs.


Cada regime próprio conta com um gestor responsável, designado pelo prefeito ou governador. Aqueles com carteira superior a R$ 5 milhões são obrigados a ter um gestor certificado e comitê de investimentos que define a política do fundo e presta contas à Previdência. A partir de 2015, essas exigências passarão a valer para todos os RPPSs, independentemente do valor gerido – uma tentativa de melhorar o controle da aposentadoria de milhões de brasileiros.

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