Privatizar para quem?
Réplica de economista ao artigo ‘Privatiza Tudo!’ critica idealização do setor privado
Folha SP
01/03/21
Quem acompanha há algum tempo o debate econômico no Brasil deve perceber como se renovam mitos com certa frequência, em geral, através da produção de um senso comum, desconectado do que acontece no debate internacional e que propõe soluções simplistas de problemas complexos.
No caso das empresas públicas, esse enredo é conhecido e o artigo “Privatiza Tudo!” publicado em 23 de fevereiro pela Folha é um belo exemplo. Para além das analogias e acusações que pouco ajudam no debate, o artigo repete o padrão de avaliar uma empresa pública a partir da idealização do que seja o sistema privado.
Ao contrário das empresas privadas, as empresas públicas são orientadas não apenas para a obtenção de lucro, mas também para o desenvolvimento de ações que gerem benefícios para o sistema econômico como um todo e, portanto, efeitos positivos para o conjunto da população.
Neste exato momento, estamos presenciando duas instituições públicas, Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e Instituto Butantan, realizarem justamente esse papel.
Por outro lado, também temos os exemplos de privatizações dos anos 1990 aqui no Brasil, que produziram uma das tarifas domésticas de eletricidade mais cara do mundo e serviços de telefonia campeões de reclamação.
As empresas públicas são instituições basicamente disseminadas no processo de reconstrução econômica que se seguiu a Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, assimiladas nas experiências nacionais de desenvolvimento industrial.
Sua forma de atuação se transformou ao longo do tempo, mas manteve-se a percepção de que o fornecimento de alguns insumos estratégicos, a atuação nas áreas de pesquisa e desenvolvimento e o fornecimento de certos serviços e infraestrutura básica são questões fundamentais para a organização do sistema econômico e por isso devem ser políticas de Estado.
Esse reconhecimento é o que leva, por exemplo, que a presença de empresas estatais em setores como petróleo e gás seja disseminada, que existam ainda diversas grandes empresas estatais atuando no setor elétrico mundo afora e que seja frequente a atuação de empresas públicas nas áreas de pesquisa e inovação.
A experiência internacional também demonstra que boa parte das privatizações realizadas nas empresas de serviços urbanos têm sido revistas. O estudo realizado pelo Transnational Institute (Insitituto Transacional, em tradução livre) apontou que entre 2000 e 2017 houve na Europa nada menos do que 884 processos de reversão de privatizações.
Esses processos foram motivados por reclamações associadas à má qualidade da prestação dos serviços, tarifas abusivas e até a dificuldade em se regular as empresas concessionárias.
O estudo traz considerações importantes sobre os processos de privatização. A primeira delas é que a privatização por si só não cria concorrência, atividades que dependem de uma grande escala operacional e de infraestrutura prévia para operação tendem a formar “monopólios naturais”, com empresas com grande poder de barganha e que geram dificuldades regulatórias para o poder público.
A segunda consideração diz respeito a dificuldade de se impor regulação a serviços de grande complexidade e com alto custo em caso de interrupção. Nesse caso, o estudo também indicou que o poder público muitas vezes se tornou refém das empresas concessionárias.
A terceira consideração importante apontada pelo estudo é o custo social e político em caso de reestatização. A reversão necessária do processo gera risco jurídico e indenizações de grande valor, demonstrando que os riscos envolvidos em um processo de privatização devem ser analisados e debatidos com rigor.
Somente os economistas acreditam que é possível isolar a dimensão política das atividades econômicas pela mera transferência da propriedade de ativos. Um setor “desestatizado” ainda depende da construção de um marco regulatório adequado e de agências reguladoras capazes de evitar o abuso do poder econômico e garantir a boa qualidade da prestação do serviço.
A simples venda das empresas públicas nada resolve sem um sistema político que garanta o bom funcionamento das atividades econômicas.
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A tarifa da carta brasileira é uma das menores do mundo, apesar de o Brasil ser o quinto maior país em território. Em mãos privadas, isso não vai ficar assim. Deputados e Senadores, protejam os brasileiros. Digam não à intenção de privatizar nosso correio. #nãoaprivatizaçãodoscorreios
Direção Nacional da ADCAP.