Correio Braziliense
03/06/2013
O presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, sintetizou semana passada o grande desafio do governo Dilma Rousseff para impedir que o seu mandato seja marcado por quatro anos seguidos de pibinhos. Ele repetiu a constatação, feita há mais de um ano pela maioria dos analistas, de correntes variadas, sobre o esgotamento do modelo de crescimento do PIB baseado no consumo e a necessidade de se migrar para outro, pautado pelo investimento direto em infraestrutura, na capacidade de produção e na qualificação profissional.
A declaração de Tombini feita na TV menos de 24 horas após ter liderado a decisão unânime do BC de acelerar a curva de aperto monetário, com a subida da taxa básica de juros (Selic) em mais 0,5 ponto, para 8% anuais, pode até soar contraditória, se contabilizarmos as expressivas renúncias fiscais da União para manter a demanda doméstica aquecida.
O que mudou de verdade foi a percepção da própria presidente da República de que a sua meta de transformar o Brasil em um canteiro de obras tocadas com desenvoltura razoável deixou de ser algo apenas desejável para ser um imperativo — a única chance de superar a decrescente competitividade das empresas instaladas no território nacional e a melhor vacina contra possíveis dissabores no calendário eleitoral, já antecipado como nunca antes.
Ocorre também que a inflação deixou de ser apenas um ligeiro sintoma colateral da grande missão do Ministério da Fazenda: impedir que a frente fria da economia europeia piore ainda mais o nosso clima doméstico de retomada e, como tem sido feito desde a crise internacional de 2008-2009, fazer do mercado interno o manjado antídoto contra a desaceleração externa, particularmente da locomotiva chinesa, da qual nunca fomos tão dependentes.
Lamento que as boas e providenciais intenções de Dilma, laconicamente expressadas por Tombini e evidenciadas pelos recentes ajustes em favor da rentabilidade das concessões de infraestrutura, ainda não tenham conseguido desarmar os receios do capital com o viés intervencionista do terceiro turno da gestão petista. Estado e empresas nutrem desconfianças mútuas que prejudicam em última análise o desenvolvimento sustentável do país, deixando a médio prazo as soluções para nossos impasses bem mais escassas e caras.
O Planalto deverá ter nos próximos meses uma nova rodada de conversas ao pé do ouvido com os principais empresários do país, buscando garantir sucesso e rapidez nas iniciativas que serão anunciadas em bloco, entre setembro e outubro, e já apelidadas de PAC 3, o re-relançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de 2007. Destravar projetos para portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, exploração de petróleo e linhas de transmissão de energia são essenciais para reduzir o Custo Brasil e elevar o Investe Brasil. Não podemos mais nos dar ao luxo de esperar cinco anos para licitar poços de gás e petróleo. Dilma sabe disso.
Capital arejado
Mas o que ignorou entre os seus planos prioritários foi uma medida relativamente simples, discutida dentro do governo há anos, que poderia ter viabilizado investimentos e contribuído imediatamente para uma melhor eficácia econômica do país. A abertura do capital de duas grandes estatais federais de perfil monopolista — os Correios e a Infraero — poderia já estar rendendo lucros expressivos para ambas e para a sociedade.
Da mesma forma que Petrobras e Banco do Brasil poderiam continuar sob o comando da União, no figurino soberano de acionista majoritário, mas fortalecidas pela libertação de amarras legais e de alguns entulhos burocráticos, seus balanços e planos estratégicos seriam acompanhados por auditores externos, analistas e pelos investidores minoritários. Além de mais transparentes, teriam no mercado uma fonte alternativa de capitalização.
Transformar Correios e Infraero em SAs teria impedido a operadora aeroportuária, que completou seu 40º aniversário na última sexta-feira, passar o vexame de esperar seis meses para substituir uma escada rolante. O serviço postal, por sua vez, poderia ter agregado mais rapidamente tecnologias e parceiros ao seu cotidiano, evitando eventuais perdas ao seu maior patrimônio, acumulado em 350 anos de história, a credibilidade nas entregas.
A abertura de capital da ECT vinha sendo proposta desde o governo Lula, quando a instituição ainda era alvo de críticas em razão de episódios que misturavam corrupção e denúncias de uso partidário de sua gestão. Não evoluiu, assim como a velha questão judicial em torno de sua rede de franquias.
No caso da Infraero, o seu ex-presidente Sérgio Gaudenzi defendeu, até o fim, a entrada na bolsa de valores como forma de constituir o primeiro capital próprio da estatal e desembaraçar probleminhas do dia a dia. Até então, a companhia apenas tomava conta dos ativos da União, os 67 aeroportos de sua rede. Somente recentemente seu portfólio incluiu como bens os contratos de concessão que assinou na condição de sócia das operadoras privadas de três grandes terminais: Guarulhos (SP), Campinas (SP) e Brasília.
Se tivesse antecipado as fases, tornando-se, antes dos leilões de privatizações, um agente experiente do setor, sem os obstáculos da Lei de Licitações (8.666), a Infraero poderia já ter adiantado a empreitada de obras e evitado constrangimentos, apesar de todos os avanços trazidos pela atual diretoria.