Privatização dos Correios é carregada de mentiras e omissões do governo
Carta Capital
15/08/2021
As inverdades visam camuflar uma das maiores barganhas do planeta, a venda de uma estrutura de comércio eletrônico bilionária pronta
Uma teia de mentiras e omissões do governo, de empresas privadas e de parlamentares governistas encobre os interesses inconfessáveis presentes na operação de privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, aprovada na Câmara dos Deputados e encaminhada para apreciação do Senado.
As inverdades visam camuflar uma das maiores barganhas do planeta, a venda de uma estrutura de comércio eletrônico bilionária pronta, com dimensões continentais, em um dos mercados que mais crescem no mundo e tem potencial para se expandir ainda mais, a taxas anuais de dois digítos. “O que está em jogo neste momento é a encomenda do e-commerce, é essa questão central. Esse é o debate que estão escondendo, é a mina de ouro, é o lucro real”, resumiu o deputado Marcelo Freixo, do PSB, em discurso na Câmara dos Deputados.
Pelo projeto aprovado na Casa, os trabalhadores poderão aderir a um plano de demissão voluntária em até 180 dias após a venda e, durante 18 meses, só seriam dispensados por justa causa. A empresa venderá 100% do controle e será oferecida em bloco, sem divisão por regiões.
Um estudo elaborado pelo banco J.P. Morgan com dados de 2019 mostra que a pretendida privatização tem tudo para ser um negócio único. O mercado de comércio eletrônico brasileiro, de 22,8 bilhões de dólares, representa 4,3% do mercado de varejo geral do País, e revela que 72% da população ainda não fez sua primeira compra online, indicativo de um enorme potencial. Outro aspecto é a velocidade incomum de crescimento do e-commerce no Brasil, que desde 2017 se expande a uma taxa de dois dígitos.
O Nordeste, com aumento espantoso de 27% ao ano, é a região de avanço mais veloz, mas as taxas são excepcionais também no Norte (22%) e no Sul (20%), além de expressivas no Sudeste (6%) e no Centro-Oeste (5%), sublinha o banco. Os Correios entregaram, em 2020, 15,2 milhões de objetos postais por dia, sendo 13,7 milhões de correspondências e 1,5 milhão de encomendas nacionais e internacionais, registra o balanço da empresa.
Um projeto de lei do deputado pedetista André Figueiredo, ex-ministro das Comunicações, propõe estabelecer os Correios como o operador de logística preferencial da administração pública federal, o que o tornaria autossustentável, mas o governo optou por atiçar o apetite do mercado privado. A lista de candidatos à compra da estatal inclui os gigantes do setor atuantes no mercado brasileiro, desde o argentino Mercado Livre até as Americanas, a estadunidense Amazon, a DHL, o FedEx e a chinesa Alibaba.
Tanto o líder Mercado Livre quanto a Amazon estão investindo em infraestrutura logística no Nordeste para competir com os varejistas locais, “com o objetivo de tornar o comércio eletrônico mais conveniente do que o varejo físico”, segundo o J.P. Morgan.
Os Correios são a única instituição pública presente em todos os 5.570 municípios e prestam um serviço relevante impossivel de substituir pela iniciativa privada em um país de dimensões continentais. Apenas 324 das 11.542 agências dão lucro e o resultado positivo ajuda a manter as demais. Como a maior parte das agências lucrativas está no Sudeste e no Sul, há também subsídio cruzado inter-regional que viabiliza o atendimento nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Essa articulação vai para o espaço em uma privatização, em prejuízo de usuários e regiões mais pobres.
Sua rede de agências e postos constitui a principal infraestrutura federal para as políticas públicas. Além de entregarem cartas e encomendas, são também correspondentes bancários, distribuem para o governo provas do Enem, livros didáticos, vacinas, remédios do SUS e urnas eletrônicas. Vista erroneamente por alguns apenas como uma tradicional distribuidora de cartas, a empresa é também o principal player do e-commerce e responde por mais de 80% das entregas no Brasil, segundo dados de 2017 da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, e este é o principal motivo para os concorrentes desejarem abocanhá-la.
Longe de serem a empresa ineficiente mostrada pela mídia, os Correios obtiveram lucro de 1,5 bilhão de reais e receita de 18 bilhões em 2020, sendo 10,3 bilhões provenientes de encomendas e logística e o restante gerado por mensagens e malotes. Entre 2002 e 2013, a ECT distribuiu à União mais de 7 bilhões, em valores reais, como dividendos e juros sobre capital próprio. Em 2019, foi premiada pelo segundo ano consecutivo como a melhor empresa de logística no e-commerce e arrebatou o troféu ABComm de inovação digital.
A insatisfação com o serviço prestado é baixíssima. A estatal ocupa apenas o 32º lugar no ranking de número de reclamações de consumidores elaborado pelo Procon de São Paulo, no qual as companhias de telefonia, de tevê por assinatura e bancos dominam as primeiras posições. Cabe lembrar que as teles, pentacampeãs de reclamações, foram privatizadas há décadas, aproveitando uma onda de mudança de padrão tecnológico, mas patinam em ineficiência e altas tarifas. Chama atenção ainda que empresas concorrentes dos Correios no e-commerce e candidatas à sua aquisição, supostamente mais eficientes por serem privadas, figuram em posições muito piores que a da estatal. É o caso do Magazine Luiza em 7º lugar, do Mercado Livre em 8º, e da Americanas em 9º. Uma pesquisa do site PoderData realizada em março mostra que 52% da população brasileira é contra a privatização dos Correios, enquanto 29% dizem ser a favor e 19% não souberam informar ou não responderam à pergunta.
Segundo Thiago Botelho, representante do Ministério das Comunicações, o objetivo do projeto de lei governamental não é privatizar os Correios, mas instituir o marco legal do setor postal, que pode ser mantido tanto por uma empresa pública como por meio de uma concessão. A economista Camila de Caso, assessora do PSOL na Câmara dos Deputados, questiona. “Os neoliberais dizem que não é uma privatização, mas uma concessão. Só que essa concessão é por cinco anos prorrogáveis pelo tempo que quiserem. Não tem parâmetro, não tem previsão de volta para o setor público, é uma privatização pior do que a da década de 1990, só que apresentada de forma mais soft, de modo a fingir um certo nacionalismo”, dispara a economista.
Ao contrário do que diz o governo, a privatização não resultará em aumento da qualidade dos serviços, não garantirá a prestação do serviço postal universal nem ampliará os investimentos privados no setor, rebate Marcos César Alves Silva, vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios. Em audiência pública promovida pela Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Amazônia, ele sublinhou que a estatal tem aprovação de 90% dos usuários e que acenar com a garantia de prestação do serviço postal universal é uma falácia. “O governo de Portugal usou o mesmo argumento quando optou pela privatização, mas hoje a população pede a reestatização porque os administradores privados fecharam agências e o preço subiu”, destaca Silva. “A empresa tem infraestrutura montada, baixo endividamento, lucro bilionário, geração positiva de caixa, um balcão muito forte, tem tudo, portanto, para fazer seus investimentos, não precisa de muleta nenhuma. Trata-se de um ecossistema empresarial com parcerias, cerca de 1 mil franqueados, transportadoras e forncedores, mantido de forma equilibrada e sustentável. É nisso que o governo quer mexer e vai fazer bobagem”.
No ranking anual de 170 países acompanhados pela União Postal Universal, o Brasil figura no grupo intermediário superior com melhor desempenho, intitulado good performers. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, conhecido pela sigla Dieese, constatou que, entre os países mais populosos, os serviços postais universais são prestados por empresas públicas, de economia mista ou outro órgão governamental. Nesse universo, apenas Alemanha, Reino Unido e Holanda são considerados casos bem-sucedidos de privatização dos correios, com ressalvas. Sobressai a privatização fracassada dos correios na Argentina nos anos 1990, revertida em 2003.
José Rivaldo da Silva, secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, constatou em congressos internacionais que em nenhum outro lugar do mundo se discute hoje privatização dos correios. “É uma covardia muito grande com os trabalhadores que, em meio à pandemia, estão colocando suas vidas em risco para garantir essa prestação de serviço e que, com a privatização, serão demitidos. Perdemos mais de 300 colegas no exercício de suas funções. Deveríamos estar discutindo o fortalecimento dessa empresa pública”, dispara o sindicalista. Há risco, diz, de um apagão postal no País se os Correios forem privatizados, assim como houve apagão elétrico no Amapá, problema que foi resolvido pela estatal regional do setor, a Eletronorte.
Uma pesquisa realizada por Philipp B. Schuster, da Universidade de Bremen, na Alemanha, sobre a privatização dos correios em 21 países da OCDE entre 1980 e 2007 revelou que a entrega ao setor privado teve efeito negativo na qualidade da prestação do serviço universal. “A densidade das agências foi bastante reduzida e isso significa que os serviços ficaram menos disponíveis para todos os cidadãos, chama atenção Stchuster. Tradicionalmente, os serviços universais, especialmente, os serviços universais, especialemtne no setor postal, são redistribuídos dos grupos de alta para os grupos de baixa renda e das áreas urbanas para os rurais. O fato de a acessibilidade tyer diminuído substancialmente significa que alguns desses grupos e áreas podem estar em pior situação.
Um problema essencial das privatizações é que, em geral, as empresas que podem ser capitalizadas pelo Estado brasileiro, sobretudo quando são lucrativas, têm acesso a um custo de capital muito pequeno porque para capitalizá-las é possível, por exemplo, lançar títulos públicos com o juro menor que existe no mercado, chama atenção o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Quando uma empresa é privatizada, além de ter sido amortizada, em geral ela é transferida para um grupo que tem um custo de endividamento muito maior do que o Estado, o que implicará, necessariamente, uma elevação de receitas futuras das empresas, mesmo na suposição de uma mesma taxa de lucro, em um processo que vai provocar aumento do custo para os consumidores.
“Outro aspecto é que os investidores privados não vão usar subsídios cruzados, que é a utilização das receitas obtidas com as partes lucrativas atendidas pelas estatais para financiar serviços em áreas onde não há lucratividade”, diz Bastos. “Isto é, o consumidor vai perder tanto por causa da elevação das tarifas quanto porque, em alguns lugares, a correspondência ou encomenda não vai ser entregue ou será feita com espaçamento muito mais longo, de modo a reduzir os custos para as empresas.”
Quanto ao alegado aumento de recursos em caixa na conta única do Tesouro, não podem ser gastos por conta da Lei do Teto. A intenção declarada é comprar dívida, o que é absurdo, porque a liquidez e a riqueza que saem do mercado com a compra da estatal voltam pela recompra de títulos publicos. “As privatizações não produzem, portanto, nenhuma redução da dívida pública e só se explicam pelo objetivo de transferir recursos, bens, ativos e patrimônio públicos e capacidade de coordenação de políticas públicas por meio de empresas estatais, para os grandes investidores privados financiadores da eleição de Jair Bolsonaro e que tem como representante ideológico o ministro da Economia, Paulo Guedes.”.
Os Correios estão no corredor da morte das privatizações
Carta Capital
15/08/2021
A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro
Depois da Eletrobras, os Correios são lançados no corredor (da morte?) das privatizações. Nos meios de comunicação, a propaganda oficial celebra a mudança de controle da esfera pública para os poderes privados como uma conquista da eficiência.
Por essas e outras, na abertura da coluna, apresento um “causo” (assim diria o saudoso comediante Mazzaropi) ocorrido nas salas acarpetadas da Faria Lima. Um proficiente gestor financeiro foi convidado pela diretoria de uma grande banco de investimentos para apresentar sugestões de projetos.
Sem hesitar, o gestor-convidado sacou dos embornais de sua sabedoria um elenco parrudo de empreendimentos novos. O diretor de negócios do banco atalhou: “Queremos apenas adquirir ativos existentes, nada de projetos novos”.
Aí está escancarado o Espírito Patrimonialista do capitalismo financeirizado. A expressão “financeirizado” incomoda à esquerda e à direita. Os da esquerda imaginam que o capitalismo se dedica, sobretudo, à produção de mercadorias ao explorar a força de trabalho e os bancos existem para financiar os negócios produtivistas. A turma da direita se aborrece ao constatar que o capitalismo financeiro é acusado de promover péssima alocação de recursos.
Já aborreci os leitores de CartaCapital ao escrever neste espaço que, entre outras proezas, a financeirização rentista exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo existente, criado com dinheiro público, gerador de renda monopolista. A onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro, em seu furor de aquisições de ativos existentes. Nada tem a ver com a qualidade dos serviços prestados, mesmo porque os exemplos são péssimos. Em geral, no mundo, a qualidade dos serviços declinou, acompanhando o aumento de tarifas e a deterioração dos trabalhos de manutenção.
A decepção popular com as experiências de privatização contamina gregos e troianos, países ditos adiantados e outros nem tanto. A experiência privatista revela suas entranhas: os capitais desejam ardentemente adquirir empresas produtoras de serviços públicos, primeiro para realizar formidáveis ganhos de capital no momento das aquisições, depois para abocanhar a renda monopolista.
Também relatei nesta coluna que, na Era Thatcher, a Inglaterra privatizou o abastecimento de água e os transportes interurbanos. Num e noutro caso as tarifas subiram muito rapidamente. Em algumas cidades inglesas, as tarifas de água tornaram-se abusivas. O serviço? Uma droga. Os lucros, naturalmente, aumentaram de forma explosiva.
Os privatistas, com a maior cara de pau, usam a evolução da rentabilidade para mostrar a maior eficiência da empresa privada. Eficiência privada, ineficiência social. No caso dos ônibus interurbanos, além da brutal elevação de tarifas, os concessionários privados simplesmente fecharam as linhas menos rentáveis, deixando muitos ingleses sem transporte.
O economista e jornalista Will Hutton, em seu livro A Situação em Que nos Encontramos, descreve com requintes de crueldade a condição do consumidor inglês de serviços públicos submetido aos caprichos e arbitrariedades dos controladores e administradores dos monopólios naturais, como transporte público e abastecimento de água. Só não reclamam, é claro, os possuidores de ações dessas empresas, que celebram os preços de seus ativos subindo sem descanso. É a farra do bode.
Recentemente, economistas do Progressive Economic Forum organizaram a coletânea The Return of the State. Os artigos concentram as atenções no declínio da qualidade dos serviços públicos depois da onda de privatizações iniciada na Era Thatcher. Will Hutton acusa não só as malfadadas privatizações dos serviços públicos, mas aponta a “privatização do privado” como o motor da acumulação de riqueza no capitalismo contemporâneo. A “privatização do privado” tornou-se uma das forças motrizes do capitalismo britânico. O propósito das empresas é extrair valor em vez de criar valor, o que impulsiona a submissão dos trabalhadores aos contratos de curto prazo ou zero-hora, enriquecendo enormemente os sócios e diretores de empresas.
Os fundos de Private Equity atuam diretamente para impor estratégias de extração de valor em todos os negócios britânicos. Os gestores não podem fazer outra coisa senão executar os mandos dos fundos financeiros. Por Luiz Gonzaga Beluzzo, Carta Capital.
Privatização dos Correios enfrenta resistência
Valor
14/08/2021
PSD e MDB no Senado avaliam que não é o momento de vender uma empresa que gera lucro líquido de mais de R$ 1,5 bilhão
O projeto que viabiliza a privatização dos Correios inicia sua tramitação no Senado a partir desta semana e enfrentará resistências de duas importantes bancadas: PSD e MDB.
funcionários. Além disso, os senadores rechaçam a ideia de entregar para a iniciativa privada uma empresa que tem registrado lucro.
A matéria foi assunto da reunião de líderes do Senado na sexta-feira. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deu aval para que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) analise o texto enviado pela Câmara, que trata também da quebra do monopólio da empresa nos serviços postais.
Apesar disso, alguns dos congressistas já aproveitaram a reunião para externar desconforto com o projeto. Um dos mais resistentes à proposta é a do senador Eduardo Braga (MA), líder do MDB na Casa. O berço eleitoral dele é o Amazonas, que tem municípios em locais remotos. Braga teme que uma empresa privada não consiga manter o serviço postal em regiões pouco lucrativas.
“Eu tenho muitas preocupações sobre privatização do Correios. Como é que vamos entregar cartas em São Gabriel da Cachoeira [AM]? Fica a 1.700 km de Manaus e não tem acesso nem por rio, nem por estrada. Como é que vai chegar carta em Atalaia do Norte, no Estirão do Equador?”, questionou.
“Os países de dimensão continental não privatizam seus serviços postais. O correio americano não é privado”, argumentou.
Com 15 senadores, o MDB é justamente a maior bancada da Casa. Braga também afirmou que tem preocupação com a questão dos empregos dos carteiros, tema que não teria sido suficientemente debatido pelos deputados, na avaliação dele. “Eu estou preocupado com o emprego dos carteiros. É uma matéria que não está suficientemente debatida. Não há consenso”, disse Braga.
O próprio presidente da CAE, senador Otto Alencar (PSD-BA), admite que este “não é o melhor momento” para a privatização dos Correios. “Vamos ter que olhar essa questão também sob o ponto de vista do emprego. Os Correios são uma empresa que dá lucro, vamos vender na bacia das almas?”, questionou ele.
Os Correios registraram lucro líquido de R$ 1,53 bilhão em 2020, segundo balanço divulgado em maio. O resultado representa um forte salto frente ao ganho de R$ 102,1 milhões obtido em 2019.
Neste cenário, o Valor apurou que o Executivo trabalha para que a relatoria da matéria fique com um senador próximo ao Palácio do Planalto, como Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso. Questionado sobre isso, Alencar endureceu. “Quem define a relatoria sou eu”. Mesmo parlamentares de centro admitem, em caráter reservado, que o “timing” joga contra a privatização.
“Estamos num momento de retomada pós pandemia. A questão do desemprego está batendo na porta de todo mundo. Não é momento de ousar nessa questão”, afirmou um senador em off. Por Renan Truf i, Valor.
Entenda por que a privatização dos Correios alarma editoras de livros
Mercado teme que empresas não mantenham taxas favoráveis e deixem de atender leitores de cidades afastadas
Folha SP
13/08/2021
A possibilidade de privatização dos Correios, proposta que avançou na Câmara na semana passada e agora segue para votação no Senado, tem alarmado o mercado editorial.
Um grupo de livrarias e sebos já havia divulgado um manifesto se opondo à medida. Editoras, principalmente as independentes, também têm mostrado preocupação.
O receio é que, gerido por uma empresa privada, o serviço passe a atingir menos cidades —e, assim, menos leitores— ou fique mais caro.
Segundo Raquel Menezes, dona da Oficina Raquel, editoras menores contam com menos exposição nas livrarias e se ancoram mais no comércio virtual para alcançar seus leitores. Para que o livro chegue até eles, é fundamental o recurso aos Correios, que garantem na modalidade de “registro módico” um frete mais barato a produtos impressos.
Não é certo que essa política vantajosa aos livros seja mantida sob uma empresa privada, que visa o lucro, argumenta Menezes. Num cenário em que essa tarifa seja extinta, comprar de independentes deve ficar mais caro, afirma Nathan Magalhães, editor da Moinhos. “Você vai comprar um livro de R$ 50 e pagar mais R$ 20 de frete.”
Alexandre Martins Fontes, que toca a livraria que leva seu sobrenome e a editora WMF Martins Fontes, faz coro. “Com o aumento das vendas online, o custo com o transporte de livros passou a representar uma despesa ‘de muitos tostões’ para livrarias e editoras. O que garante que livros receberão tratamento especial por parte das empresas que vierem a substituir os Correios?”
Outra preocupação é o fechamento de postos em cidades menos populosas, aonde o acesso é mais difícil e custoso.
Segundo Raquel Menezes, isso é motivo para acender o sinal de alerta também em editoras grandes. “Se você deixar de atender determinados lugares, os leitores vão diminuindo. Se o leitor é prejudicado, todos os editores são.”
Marcelo Levy, diretor comercial da Todavia, afirma de fato compartilhar da preocupação, mesmo que a editora recorra pouco aos Correios. “Há lugares a que serviços de entrega não chegam e a que talvez um correio privatizado deixe de chegar. Um cenário em que o livro vai desaparecendo da paisagem urbana, em que a entrega fica dificultada, é preocupante.”
Direção Nacional da ADCAP.